A questão fulcral do texto reside sobretudo no caos cultural. A cultura cotemporânea confere a tudo um ar de semelhança. O cinema, a rádio e as revistas constituem um sistema. Toda a cultura de massas, é idêntica e o seu esqueleto, a ossatura conceitual fabricada por aquele, começa a se delinear. Os dirigentes não estão sequer muito interessados em descobri-lo, o seu poder fortalece-se quanto mais brutalmente ele se confessa ao público. O cinema e a radio não precisam de se apresentar como arte. A verdade é que não passam de um negócio, eles utilizam-na como uma ideologia destinada a legitimar o lixo que propositadamente produzem. Eles definem-se como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos dos seus directores gerais suprimem toda a dúvida quanto à necessidade social dos seus produtos.
Alguns dos mais interessados preocupam-se em dar uma explicação tecnológica da industria cultural. O facto de que milhões de pessoas participam dessa indústria imporia métodos de reprodução que tornariam inevitável a disseminação de bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais.
A televisão visa uma síntese do rádio e do cinema, que é retardada enquanto os interessados não se impõem de acordo mas cujas possibilitadas ilimitadas prometem aumentar o empobrecimento dos materiais estéticos a tal ponto que a identidade mal disfarçada dos produtos da indústria cultural pode vir a triunfar abertamente já amanhã. A harmonização da palavra da imagem e da música logra um êxito ainda mais perfeito do que no Tristão, porque os elementos sensíveis são em principio produzidos pelo mesmo processo técnico e exprimem a sua unidade como o seu verdadeiro conteúdo. Este processo de elaboração é o triunfo do capital investido, desde a concepção do romance até ao último efeito sonoro. Ele é o triunfo do capital investido.
Para o consumidor não há nada mais a classificar que não tenha sido antecipado no esquematismo da produção. A arte sem sonho destinada ao povo realiza aquele idealismo sonhador que ia longe demais para o idealismo critico. Tudo vem da consciência em Malebranche e Berkeley da consciência de Deus; na arte para as massas, da consciência terrena das equipas de produção. Não somente os tipos das canções de sucesso, os astros, as novelas surgem reciclicamente como invariantes fixos, mas o conteúdo específico dos espectáculos é ele próprio derivado deles e só varia na aparência. A breve sequência de intervalos, fácil de memorizar, como mostrou a canção de sucesso; o fracasso temporário do herói, que ele sabe suportar como godo sopra que é; a boa palmada que a namorada recebe da mão forte do astro; a sua rude reserva em face da herdeira mimada são, como todos os detalhes, clichés prontos para serem empregues arbitrariamente aqui e ali e completamente definidos pela finalidade que lhes cabe no esquema. Desde o começo do filme já se sabe como ele termina, quem é recompensado, ao escutar a música ligeira, o ouvido treinado é capaz, de adivinhar o desenvolvimento do tema e sente-se feliz quando ele tem lugar como previsto. A indústria cultural desenvolveu-se com o predomínio que o efeito, a performance tangível e o detalhe técnico alcançaram sobre a obra, que era outrora o veículo da ideia e com essa foi liquidada. Emancipando-se o detalhe tornara-se rebelde e, do romantismo ao expressionismo, afirmara-se como expressão indômata, como veículo do protesto contra a organização. O efeito harmónico isolado havia obliterado, na música, a consciência do todo formal; a cor particular na pintura, a composição pictórica; a penetração psicológica no romance, a arquitectura. A tudo isto se deu fim a indústria cultural mediante a totalidade.
O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. Quanto maior a perfeição com que as suas técnicas duplicam os objectos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme. O filme adestra o espectador entregue a ele para se identificar imediatamente com a realidade. Actualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos paralisam essas capacidades em virtude da sua própria constituição objectiva. São feitos de tal forma que sua apreensão adequada exige, é verdade, presteza, dom de observação, conhecimentos específicos, mas também de tal sorte que proíbem a actividade intelectual do espectador, se ele não quiser perder os factos que desfilam velozmente diante de seus olhos.
A reconciliação do universal e do particular, da regra e da pretensão específica do objecto, que é a única coisa que pode dar substância ao estilo, é vazia, porque não chega a haver uma tenção entre os pólos: os extremos que se tocam passaram a uma turva identidade, o universal pode substituir o particular e vice-versa.
No entanto, essa caricatura do estilo descobre algo acerca do estilo autêntico do passado. O conceito do estilo autentico torna-se transparente na indústria cultural como um equivalente estético da dominação. A ideia do estilo como uma conformidade a leis meramente estéticas é uma fantasia romântica retrospectiva. Os grandes artistas jamais foram aqueles que encarnaram o estilo da maneira mais íntegra e mais perfeita, mas aqueles que acolheram o estilo em sua obra como uma atitude dura contra a expressão caótica do sofrimento, como verdade negativa. As próprias obras que se chamam clássicas, como a música de Mozart, contêm tendências objectivas orientadas num sentido diverso do estilo que elas encarnavam. Até Schonberg e Picasso, os grandes artistas conservaram a desconfiança contra o estilo e, nas questões decisivas, se ativeram menos a esse do que à lógica do tema. Em toda a obra de arte, o estilo é uma promessa. Ao ser acolhido nas formas dominantes da universalidade: a linguagem musical, pictórica, verbal, aquilo que é expresso pelo estilo deve-se reconciliar com a ideia da verdadeira universalidade. Essa promessa da obra de arte de instituir a verdade imprimindo a figura nas formas transmitidas pela sociedade é tão necessária quanto hipócrita. Ela coloca as formas reais do existente como algo de absoluto. pretextando antecipar a satisfação dos derivados estéticos delas. Nessa medida, a pretensão da arte é sempre ao mesmo tempo ideologia. A indústria cultural acaba por colocar a imitação como algo de absoluto. Reduzida ao estilo, ela trai o seu segredo, a obdiência à hierarquia social. A barbárie estética consuma hoje a ameaça que sempre pairou sobre as criações do espirito desde que foram reunidas e neutralizadas a título de cultura. Ao subordinar da mesma maneira todos os sectores da produção espiritual a este fim único: ocupar os sentidos dos homens na saída da fábrica, à noitinha, até a chegada ao relógio do ponto, na manhã seguinte, com o selo da tarefa de que devem se ocupar durante o dia, mas a subversão realiza ironicamente o conceito da cultura unitária que os filósofos da personalidade opunham à massificação.
Assim a indústria cultural, o mais inflexível de todos os estilos, revela-as como a mata do liberalismo, ao qual se censura a falta de estilo. Não são somente as suas categorias e conteúdos provenientes da esfera liberal, tanto do naturalismo domesticado tanto da opereta e da revista: as modernas companhias culturais são o lugar económico onde ainda sobrevive, juntamente com os correspondentes tipo de empresários, uma parte da esfera de circulação já em processo de desagregação.
Actualmente em fase de desagregação na esfera da produção material, o mecanismo da oferta e da produção material, o mecanismo da oferta e da procura continua actuante na superestrutura como mecanismo de controle em favor dos dominantes. Os consumidores são os trabalhadores e os empregados, os lavradores e os pequenos burgueses. A produção capitalista mantém-nos tão bem presos de corpo e alma que eles sucumbem sem resistência ao que lhes é oferecido. Assim como os dominados sempre levaram mais a sério do que os dominadores a moral que deles recebiam, hoje em dia as massas logradas sucumbem mais facilmente ao mito do sucesso do que os bem-sucedidos. Obstinadamente insistem na ideologia que as escraviza. O amor funesto do povo elo mal que a ele se faz chega a antecipar-se à astucia das instâncias de controle. Ele chega a superar o rigorismo do Hays-Office, quando este nos grandes momentos históricos, incitou contra o povo instâncias mais altas como o terror dos tribunais. Ele exige Mickey Rooney contra a trágica Garbo e o Pato Donald contra Betty Boop. A indústria ajusta-se ao voto que ela própria conjurou. O que representa faux frais para a firma que não pode explorar a fundo o contracto com a estrela em decadência são custos legítimos para o sistema inteiro. Ao ratificar com refinada astúcia a demanda de porcarias, ele inaugura a harmonia total. A competência e a perícia são proscritas como arrogância de quem se acha melhor do que os outros, quando a cultura distribui tão democraticamente o seu privilegio a todos.
O que é novo na fase da cultura de massas em comparação com a fase do liberalismo avançado é exclusão do novo. A máquina gira sem sair do lugar. Ao mesmo tempo que já determina o consumo, ela descarta o que ainda não foi experimentado porque é um risco. A seu serviço estão o ritmo e a dinâmica. Nada deve ficar como era, tudo deve estar em constante movimento. Pois só a vitória universal do ritmo da produção e reprodução mecânica é a garantia de que nada mudará, de que nada surgirá que não se adapte.
O entretenimento e os elementos da industria cultural já existiam muito tempo antes dela. Agora, são tirados do alto e nivelados à altura dos tempos actuais. A industria cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com energia e de ter erigido em principio a transferencia muitas vezes desajeitada da arte para a esfera do consumo, de ter despido a diversão das suas ingenuidades inoportunas e ter aperfeiçoado o feitio das mercadorias. A arte «leve» como tal, a diversão não é uma forma decadente. Quem a lastima como traição do ideal da expressão pura está a alimentar ilusões sobre a sociedade. Ela consiste na repetição. O facto de que as suas inovações características não passem de aperfeiçoamentos da produção em massa não é exterior ao sistema. É com razão que o interesse de inúmeros consumidores se prende à técnica, não aos conteúdos teimosamente repetidos, ocos e já em parte abandonados. O poderio social que os espectadores adoram é mais eficazmente afirmado na omnipresença do estereotipo imposto pela técnica do que nas ideologias rançosas pelas quais os conteúdos efémeros devem responder.
A fusão actual da cultura e do entretenimento não se realiza apenas como depravação da cultura, mas igualmente como espiritualização forçada da diversão. Ela já está presente no facto de que só temos acesso a ela em suas reproduções, como cinefotografia ou emissão radiofónica.
Quanto mais firmes se tornam as posições da indústria cultural, mais sumariamente ela pode proceder com as necessidades dos consumidores, produzindo-as, dirigindo-as, disciplinando-as e, inclusive suspendendo a diversão: nenhuma barreira se eleva contra o progresso cultural.
A arte fornece a substância trágica a pura diversão não pode por si só trazer, mas da qual ela precisa, se quiser manter-se fiel a uma ou a outra maneira ao principio da reprodução exacta do fenómeno. O trágico transformado em um aspecto calculado e aceite do mundo, torna-se uma benção para ele. Ele protege-nos da censura de não sermos muito escrupulosos com a verdade, quando de facto nos apropriamos dela com simples pesar. Ele oferece ao consumidor que já viu melhores dias na vida cultural o sucedâneo da profundidade há muito abolida e ao espectador assíduo a escória cultural de que deve dispor para fins de prestigio. A voz do enuco do crooner a cantar no rádio, o galã bonitão que, ao cortejar a herdeira cai dentro da piscina vestido de smoking, são modelos para as pessoas que se devem transformar naquilo que o sistema, triturando-as, força-as a ser. Todos podem ser como a sociedade toda-poderosa, todos se podem tornar felizes, desde que se entreguem de corpo e alma, desde que renunciem à pretensão da felicidade. Na fraqueza deles a sociedade reconhece a sua própria força e confere-lhes uma parte dela.
Na indústria o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo de produção. Ele só é tolerado na medida em que a sua identidade incondicional com o universal está fora de questão. Da improvisação padronizada do Jazz até os tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos para serem reconhecidos como tais, o que domina é a pseudo-individualidade. O individual reduz-se à capacidade do universal de marcar tão integralmente o contingente que ele possa ser conservado como o mesmo. A cultura de massas revela assim o caracter fictício que a forma do indivíduo sempre exibiu na era da burguesia, o seu único erro é vangloriar-se por esse duvidosa harmonia do universal e do particular. Para concluir, na exigência de entretenimento e relaxamento, o fim absorveu o reino da falta de finalidade. Mas, na medida em que a pretensão de utilizar a arte se torna total, começa a delinear-se um deslocamento na estrutura económica interna das mercadorias culturais.
O radio esse retardatário progressista da cultura de massas, tira todas as consequências que o pseudomercado do cinema por enquanto recusa a este. A estrutura técnica do sistema radiofónica comercial torna-o imune a desvios liberais como aqueles dos industriais do cinema ainda se podem permitir em seu próprio sector. Ele é um empreendimento privado que já representa o todo soberano, no que se encontra um passo à frente das outras operações. Ao integrar todos os produtos culturais na esfera das mercadorias, o rádio renuncia totalmente a vender como mercadorias os seus próprios produtos culturais. Nos Estados Unidos ele não cobra nenhuma taxa ao público. Deste modo, ele assume a forma de uma autoridade desinteressada, acima dos partidos, que é como que talhada sob medida para o fascismo.
Actualmente, as obras de arte são apresentadas como os slogans políticos, e como eles, inculcadas a um público relutante apreços reduzidos. Elas tornaram-se tão acessíveis quanto os parques públicos. Mas isso não significa que ao perderem o caracter de uma autentica mercadoria, estariam preservadas na vida de uma sociedade livre, mas, ao contrário, que agora caiu também a última protecção contra a sua degradação em bens culturais. Na indústria cultural desaparecem tanto a critica como o respeito: a primeira transforma-se na produção mecânica de laudos periciais, o segundo é herdado pelo culto desmemoriado da personalidade. A televisão anuncia uma evolução que poderia facilmente forçar os irmãos Warner a assumir a posição, certamente incomoda para eles, de produtores de um teatro doméstico e de conservadores culturais. Mas o sistema de prémios já se sedimentou no comportamento dos consumidores. Na medida em que a cultura se apresenta como um brinde, cujas vantagens privadas e sociais no entanto estão fora de questão, a sua recepção converte-se no aproveitamento de chances. Os consumidores esforçam-se por medo de perder alguma coisa. O fascismo , porém, espera reorganizar os recebedores de dádivas, treinados pela indústria cultural, nos batalhões regulares da sua clientela compulsiva.
A publicidade é hoje em dia um principio negativo, um dispositivo de bloqueio: tudo aquilo que não traga seu sinete é economicamente suspeito. A publicidade universal não é absolutamente necessária para que as pessoas conheçam os tipos de mercadoria,, aos quais a oferta de qualquer modo está limitada. O carácter de montagem da indústria cultural, a fabricação sintética e dirigida de seus produtos, que é industrial não apenas no estúdio cinematográfico, mas também na compilação das biografias baratas, romances-reportagem, e canções de sucesso, já estão adaptados de ante mão à publicidade: na medida em que cada elemento se torna separável, fungível e também tecnicamente alienado à totalidade significativa, ele presta-se a finalidades exteriores à obra.
A desmitologização da linguagem, enquanto elemento do processo total de esclarecimento, é uma recaída na magia. Distintos e inseparáveis, a palavra e o conteúdo estavam associados um ao outro. Conceitos como melancolia, história e mesmo vida, eram reconhecidos na palavra que os destacava e conservava. A sua forma ao mesmo tempo constituía-os e , ao mesmo tempo reflectia-os.
A expressão norte americana fad, usada para se referir a modas usadas como epidemias (isto é, que são lançadas por potências económicas altamente concentradas), já designava o fenómeno muito tempo antes que os chefes totalitários da publicidade impusessem as linhas gerais de cultura. A repetição universal dos termos designando as decisões tomadas torna-as por assim dizer familiares. A repetição cega e rapidamente difundida de palavras designadas liga a publicidade à palavra de ordem totalitária. O tipo de experiência que personalizava as palavras ligando-as às pessoas que as pronunciavam foi esvaziado, e a pronta apropriação das palavras faz com que a linguagem assuma aquela frieza que era própria dela apenas nos cartazes e na parte de anúncios dos jornais.
Não se consegue perceber nas palavras a violência que elas sofrem. O locutor de radio não precisa mais de falar de maneira pomposa. Aliás, ele seria esquisito, caso a sua entoação se destinguisse da entoação do público ouvinte. Em compensação a linguagem e os gestos dos ouvintes e espectadores, até mesmo naquelas nuanças que nenhum método experimental conseguiu captar até agora, estão empregnados mais fortemente do que nunca pelos esquemas da indústria cultural. Hoje, a indústria cultural se assumiu a herança civilizatória da democracia de pioneiros e empresários, que tampouco desenvolvera uma fineza de sentido para os desvios espirituais. A liberdade de escolha da ideologia, que reflecte sempre a coerção económica, revela-se em todos os sectores como a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa. A maneira como uma jovem aceita e se desincumbe do date obrigatório, a entoação no telefone e na mais familiar situação, a escolha das palavras na conversa, e até mesmo a vida interior organizada segundo os conceitos classificatórios da psicologia profunda vulgarizada, tudo isso atesta a tentativa de fazer de si mesmo um aparelho eficiente e que corresponda, mesmo nos mais profundos impulsos instintivos, ao modelo apresentado pela indústria cultural.
Alguns dos mais interessados preocupam-se em dar uma explicação tecnológica da industria cultural. O facto de que milhões de pessoas participam dessa indústria imporia métodos de reprodução que tornariam inevitável a disseminação de bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais.
A televisão visa uma síntese do rádio e do cinema, que é retardada enquanto os interessados não se impõem de acordo mas cujas possibilitadas ilimitadas prometem aumentar o empobrecimento dos materiais estéticos a tal ponto que a identidade mal disfarçada dos produtos da indústria cultural pode vir a triunfar abertamente já amanhã. A harmonização da palavra da imagem e da música logra um êxito ainda mais perfeito do que no Tristão, porque os elementos sensíveis são em principio produzidos pelo mesmo processo técnico e exprimem a sua unidade como o seu verdadeiro conteúdo. Este processo de elaboração é o triunfo do capital investido, desde a concepção do romance até ao último efeito sonoro. Ele é o triunfo do capital investido.
Para o consumidor não há nada mais a classificar que não tenha sido antecipado no esquematismo da produção. A arte sem sonho destinada ao povo realiza aquele idealismo sonhador que ia longe demais para o idealismo critico. Tudo vem da consciência em Malebranche e Berkeley da consciência de Deus; na arte para as massas, da consciência terrena das equipas de produção. Não somente os tipos das canções de sucesso, os astros, as novelas surgem reciclicamente como invariantes fixos, mas o conteúdo específico dos espectáculos é ele próprio derivado deles e só varia na aparência. A breve sequência de intervalos, fácil de memorizar, como mostrou a canção de sucesso; o fracasso temporário do herói, que ele sabe suportar como godo sopra que é; a boa palmada que a namorada recebe da mão forte do astro; a sua rude reserva em face da herdeira mimada são, como todos os detalhes, clichés prontos para serem empregues arbitrariamente aqui e ali e completamente definidos pela finalidade que lhes cabe no esquema. Desde o começo do filme já se sabe como ele termina, quem é recompensado, ao escutar a música ligeira, o ouvido treinado é capaz, de adivinhar o desenvolvimento do tema e sente-se feliz quando ele tem lugar como previsto. A indústria cultural desenvolveu-se com o predomínio que o efeito, a performance tangível e o detalhe técnico alcançaram sobre a obra, que era outrora o veículo da ideia e com essa foi liquidada. Emancipando-se o detalhe tornara-se rebelde e, do romantismo ao expressionismo, afirmara-se como expressão indômata, como veículo do protesto contra a organização. O efeito harmónico isolado havia obliterado, na música, a consciência do todo formal; a cor particular na pintura, a composição pictórica; a penetração psicológica no romance, a arquitectura. A tudo isto se deu fim a indústria cultural mediante a totalidade.
O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. Quanto maior a perfeição com que as suas técnicas duplicam os objectos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme. O filme adestra o espectador entregue a ele para se identificar imediatamente com a realidade. Actualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos paralisam essas capacidades em virtude da sua própria constituição objectiva. São feitos de tal forma que sua apreensão adequada exige, é verdade, presteza, dom de observação, conhecimentos específicos, mas também de tal sorte que proíbem a actividade intelectual do espectador, se ele não quiser perder os factos que desfilam velozmente diante de seus olhos.
A reconciliação do universal e do particular, da regra e da pretensão específica do objecto, que é a única coisa que pode dar substância ao estilo, é vazia, porque não chega a haver uma tenção entre os pólos: os extremos que se tocam passaram a uma turva identidade, o universal pode substituir o particular e vice-versa.
No entanto, essa caricatura do estilo descobre algo acerca do estilo autêntico do passado. O conceito do estilo autentico torna-se transparente na indústria cultural como um equivalente estético da dominação. A ideia do estilo como uma conformidade a leis meramente estéticas é uma fantasia romântica retrospectiva. Os grandes artistas jamais foram aqueles que encarnaram o estilo da maneira mais íntegra e mais perfeita, mas aqueles que acolheram o estilo em sua obra como uma atitude dura contra a expressão caótica do sofrimento, como verdade negativa. As próprias obras que se chamam clássicas, como a música de Mozart, contêm tendências objectivas orientadas num sentido diverso do estilo que elas encarnavam. Até Schonberg e Picasso, os grandes artistas conservaram a desconfiança contra o estilo e, nas questões decisivas, se ativeram menos a esse do que à lógica do tema. Em toda a obra de arte, o estilo é uma promessa. Ao ser acolhido nas formas dominantes da universalidade: a linguagem musical, pictórica, verbal, aquilo que é expresso pelo estilo deve-se reconciliar com a ideia da verdadeira universalidade. Essa promessa da obra de arte de instituir a verdade imprimindo a figura nas formas transmitidas pela sociedade é tão necessária quanto hipócrita. Ela coloca as formas reais do existente como algo de absoluto. pretextando antecipar a satisfação dos derivados estéticos delas. Nessa medida, a pretensão da arte é sempre ao mesmo tempo ideologia. A indústria cultural acaba por colocar a imitação como algo de absoluto. Reduzida ao estilo, ela trai o seu segredo, a obdiência à hierarquia social. A barbárie estética consuma hoje a ameaça que sempre pairou sobre as criações do espirito desde que foram reunidas e neutralizadas a título de cultura. Ao subordinar da mesma maneira todos os sectores da produção espiritual a este fim único: ocupar os sentidos dos homens na saída da fábrica, à noitinha, até a chegada ao relógio do ponto, na manhã seguinte, com o selo da tarefa de que devem se ocupar durante o dia, mas a subversão realiza ironicamente o conceito da cultura unitária que os filósofos da personalidade opunham à massificação.
Assim a indústria cultural, o mais inflexível de todos os estilos, revela-as como a mata do liberalismo, ao qual se censura a falta de estilo. Não são somente as suas categorias e conteúdos provenientes da esfera liberal, tanto do naturalismo domesticado tanto da opereta e da revista: as modernas companhias culturais são o lugar económico onde ainda sobrevive, juntamente com os correspondentes tipo de empresários, uma parte da esfera de circulação já em processo de desagregação.
Actualmente em fase de desagregação na esfera da produção material, o mecanismo da oferta e da produção material, o mecanismo da oferta e da procura continua actuante na superestrutura como mecanismo de controle em favor dos dominantes. Os consumidores são os trabalhadores e os empregados, os lavradores e os pequenos burgueses. A produção capitalista mantém-nos tão bem presos de corpo e alma que eles sucumbem sem resistência ao que lhes é oferecido. Assim como os dominados sempre levaram mais a sério do que os dominadores a moral que deles recebiam, hoje em dia as massas logradas sucumbem mais facilmente ao mito do sucesso do que os bem-sucedidos. Obstinadamente insistem na ideologia que as escraviza. O amor funesto do povo elo mal que a ele se faz chega a antecipar-se à astucia das instâncias de controle. Ele chega a superar o rigorismo do Hays-Office, quando este nos grandes momentos históricos, incitou contra o povo instâncias mais altas como o terror dos tribunais. Ele exige Mickey Rooney contra a trágica Garbo e o Pato Donald contra Betty Boop. A indústria ajusta-se ao voto que ela própria conjurou. O que representa faux frais para a firma que não pode explorar a fundo o contracto com a estrela em decadência são custos legítimos para o sistema inteiro. Ao ratificar com refinada astúcia a demanda de porcarias, ele inaugura a harmonia total. A competência e a perícia são proscritas como arrogância de quem se acha melhor do que os outros, quando a cultura distribui tão democraticamente o seu privilegio a todos.
O que é novo na fase da cultura de massas em comparação com a fase do liberalismo avançado é exclusão do novo. A máquina gira sem sair do lugar. Ao mesmo tempo que já determina o consumo, ela descarta o que ainda não foi experimentado porque é um risco. A seu serviço estão o ritmo e a dinâmica. Nada deve ficar como era, tudo deve estar em constante movimento. Pois só a vitória universal do ritmo da produção e reprodução mecânica é a garantia de que nada mudará, de que nada surgirá que não se adapte.
O entretenimento e os elementos da industria cultural já existiam muito tempo antes dela. Agora, são tirados do alto e nivelados à altura dos tempos actuais. A industria cultural pode se ufanar de ter levado a cabo com energia e de ter erigido em principio a transferencia muitas vezes desajeitada da arte para a esfera do consumo, de ter despido a diversão das suas ingenuidades inoportunas e ter aperfeiçoado o feitio das mercadorias. A arte «leve» como tal, a diversão não é uma forma decadente. Quem a lastima como traição do ideal da expressão pura está a alimentar ilusões sobre a sociedade. Ela consiste na repetição. O facto de que as suas inovações características não passem de aperfeiçoamentos da produção em massa não é exterior ao sistema. É com razão que o interesse de inúmeros consumidores se prende à técnica, não aos conteúdos teimosamente repetidos, ocos e já em parte abandonados. O poderio social que os espectadores adoram é mais eficazmente afirmado na omnipresença do estereotipo imposto pela técnica do que nas ideologias rançosas pelas quais os conteúdos efémeros devem responder.
A fusão actual da cultura e do entretenimento não se realiza apenas como depravação da cultura, mas igualmente como espiritualização forçada da diversão. Ela já está presente no facto de que só temos acesso a ela em suas reproduções, como cinefotografia ou emissão radiofónica.
Quanto mais firmes se tornam as posições da indústria cultural, mais sumariamente ela pode proceder com as necessidades dos consumidores, produzindo-as, dirigindo-as, disciplinando-as e, inclusive suspendendo a diversão: nenhuma barreira se eleva contra o progresso cultural.
A arte fornece a substância trágica a pura diversão não pode por si só trazer, mas da qual ela precisa, se quiser manter-se fiel a uma ou a outra maneira ao principio da reprodução exacta do fenómeno. O trágico transformado em um aspecto calculado e aceite do mundo, torna-se uma benção para ele. Ele protege-nos da censura de não sermos muito escrupulosos com a verdade, quando de facto nos apropriamos dela com simples pesar. Ele oferece ao consumidor que já viu melhores dias na vida cultural o sucedâneo da profundidade há muito abolida e ao espectador assíduo a escória cultural de que deve dispor para fins de prestigio. A voz do enuco do crooner a cantar no rádio, o galã bonitão que, ao cortejar a herdeira cai dentro da piscina vestido de smoking, são modelos para as pessoas que se devem transformar naquilo que o sistema, triturando-as, força-as a ser. Todos podem ser como a sociedade toda-poderosa, todos se podem tornar felizes, desde que se entreguem de corpo e alma, desde que renunciem à pretensão da felicidade. Na fraqueza deles a sociedade reconhece a sua própria força e confere-lhes uma parte dela.
Na indústria o indivíduo é ilusório não apenas por causa da padronização do modo de produção. Ele só é tolerado na medida em que a sua identidade incondicional com o universal está fora de questão. Da improvisação padronizada do Jazz até os tipos originais do cinema, que têm de deixar a franja cair sobre os olhos para serem reconhecidos como tais, o que domina é a pseudo-individualidade. O individual reduz-se à capacidade do universal de marcar tão integralmente o contingente que ele possa ser conservado como o mesmo. A cultura de massas revela assim o caracter fictício que a forma do indivíduo sempre exibiu na era da burguesia, o seu único erro é vangloriar-se por esse duvidosa harmonia do universal e do particular. Para concluir, na exigência de entretenimento e relaxamento, o fim absorveu o reino da falta de finalidade. Mas, na medida em que a pretensão de utilizar a arte se torna total, começa a delinear-se um deslocamento na estrutura económica interna das mercadorias culturais.
O radio esse retardatário progressista da cultura de massas, tira todas as consequências que o pseudomercado do cinema por enquanto recusa a este. A estrutura técnica do sistema radiofónica comercial torna-o imune a desvios liberais como aqueles dos industriais do cinema ainda se podem permitir em seu próprio sector. Ele é um empreendimento privado que já representa o todo soberano, no que se encontra um passo à frente das outras operações. Ao integrar todos os produtos culturais na esfera das mercadorias, o rádio renuncia totalmente a vender como mercadorias os seus próprios produtos culturais. Nos Estados Unidos ele não cobra nenhuma taxa ao público. Deste modo, ele assume a forma de uma autoridade desinteressada, acima dos partidos, que é como que talhada sob medida para o fascismo.
Actualmente, as obras de arte são apresentadas como os slogans políticos, e como eles, inculcadas a um público relutante apreços reduzidos. Elas tornaram-se tão acessíveis quanto os parques públicos. Mas isso não significa que ao perderem o caracter de uma autentica mercadoria, estariam preservadas na vida de uma sociedade livre, mas, ao contrário, que agora caiu também a última protecção contra a sua degradação em bens culturais. Na indústria cultural desaparecem tanto a critica como o respeito: a primeira transforma-se na produção mecânica de laudos periciais, o segundo é herdado pelo culto desmemoriado da personalidade. A televisão anuncia uma evolução que poderia facilmente forçar os irmãos Warner a assumir a posição, certamente incomoda para eles, de produtores de um teatro doméstico e de conservadores culturais. Mas o sistema de prémios já se sedimentou no comportamento dos consumidores. Na medida em que a cultura se apresenta como um brinde, cujas vantagens privadas e sociais no entanto estão fora de questão, a sua recepção converte-se no aproveitamento de chances. Os consumidores esforçam-se por medo de perder alguma coisa. O fascismo , porém, espera reorganizar os recebedores de dádivas, treinados pela indústria cultural, nos batalhões regulares da sua clientela compulsiva.
A publicidade é hoje em dia um principio negativo, um dispositivo de bloqueio: tudo aquilo que não traga seu sinete é economicamente suspeito. A publicidade universal não é absolutamente necessária para que as pessoas conheçam os tipos de mercadoria,, aos quais a oferta de qualquer modo está limitada. O carácter de montagem da indústria cultural, a fabricação sintética e dirigida de seus produtos, que é industrial não apenas no estúdio cinematográfico, mas também na compilação das biografias baratas, romances-reportagem, e canções de sucesso, já estão adaptados de ante mão à publicidade: na medida em que cada elemento se torna separável, fungível e também tecnicamente alienado à totalidade significativa, ele presta-se a finalidades exteriores à obra.
A desmitologização da linguagem, enquanto elemento do processo total de esclarecimento, é uma recaída na magia. Distintos e inseparáveis, a palavra e o conteúdo estavam associados um ao outro. Conceitos como melancolia, história e mesmo vida, eram reconhecidos na palavra que os destacava e conservava. A sua forma ao mesmo tempo constituía-os e , ao mesmo tempo reflectia-os.
A expressão norte americana fad, usada para se referir a modas usadas como epidemias (isto é, que são lançadas por potências económicas altamente concentradas), já designava o fenómeno muito tempo antes que os chefes totalitários da publicidade impusessem as linhas gerais de cultura. A repetição universal dos termos designando as decisões tomadas torna-as por assim dizer familiares. A repetição cega e rapidamente difundida de palavras designadas liga a publicidade à palavra de ordem totalitária. O tipo de experiência que personalizava as palavras ligando-as às pessoas que as pronunciavam foi esvaziado, e a pronta apropriação das palavras faz com que a linguagem assuma aquela frieza que era própria dela apenas nos cartazes e na parte de anúncios dos jornais.
Não se consegue perceber nas palavras a violência que elas sofrem. O locutor de radio não precisa mais de falar de maneira pomposa. Aliás, ele seria esquisito, caso a sua entoação se destinguisse da entoação do público ouvinte. Em compensação a linguagem e os gestos dos ouvintes e espectadores, até mesmo naquelas nuanças que nenhum método experimental conseguiu captar até agora, estão empregnados mais fortemente do que nunca pelos esquemas da indústria cultural. Hoje, a indústria cultural se assumiu a herança civilizatória da democracia de pioneiros e empresários, que tampouco desenvolvera uma fineza de sentido para os desvios espirituais. A liberdade de escolha da ideologia, que reflecte sempre a coerção económica, revela-se em todos os sectores como a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa. A maneira como uma jovem aceita e se desincumbe do date obrigatório, a entoação no telefone e na mais familiar situação, a escolha das palavras na conversa, e até mesmo a vida interior organizada segundo os conceitos classificatórios da psicologia profunda vulgarizada, tudo isso atesta a tentativa de fazer de si mesmo um aparelho eficiente e que corresponda, mesmo nos mais profundos impulsos instintivos, ao modelo apresentado pela indústria cultural.
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