sábado, julho 19, 2003

FILHOS DE UM DEUS MARGINAL


«Não podem entrar gravadores, nem telemóveis e deixem-nos ficar o bilhete de identidade». Foi desta forma que os guardas prisionais receberam a comunicação social à entrada da Cadeia de Costóias, acompanhado de muita simpatia explicavam que são medidas de segurança às quais não podem fugir.
De seguida, todo o material para nós trabalharmos teria de ser recolhido na biblioteca, e foi até lá que os olhares mais atentos e fugidios nos seguiam nos corredores. O ambiente não perecia mau, os corredores de acesso à biblioteca são assiados. Lá dentro, afixado nas paredes estavam distribuídos alguns dos mais bonitos poemas de José Régio, Alberto Caeiro e Miguel Torga, escolhidos por pessoas que ainda lhes resta sonhar, enquanto vão lendo alguns dos 5000 livros, dos quais 400 foram comprados só no ano passado, os outros são oferecidos pelas pessoas, mas estas só dão o que vão deitar fora.
No interior desta sala de livros encontra-se também uma redacção de um jornal interno – O Acto. Nesta redacção trabalham 7 pessoas, nenhuma das quais tinha experiência de jornalismo, mas o que os uniu foi mais forte, a tentativa de divulgar e comunicar com alguém que os ouça «além fronteiras». Pedro Alexandre é um dos colaboradores do jornal, mas só lá está a alguns meses, «escrevo sobre música, mas também gostava de falar de algumas coisas que não posso, gostava de falar do sistema, mas se falasse ficava marcado». No entanto, o que mais atrai os presidiários na leitura de um jornal, são assuntos relacionados com drogas. «A direcção controla tudo que é escrito, há assuntos tabu que passam pela censura».
No entanto, recebem diariamente o noticias e o público, às vezes recebem o Blitz, ou os jornais desportivos que são trazidos pelas visitas. Porém, continuam a preferir temas como a droga, motivo porque entraram lá dentro 90% dos presidiários. Importante seria também dizer que têm alguns reclusos na faculdade, ou seja, os professores deslocam-se ao estabelecimento prisional para facultarem as aulas.
O mês passado foi também levado a cabo um segundo projecto de iniciativa do Dr. Nuno Cardoso, que foi quem escolheu a peça.. Os actores Fernando Lavado e Fernando Jorge Couto, que muito agradeceram a nossa presença «é como uma lufada de ar fresco», esclareceram algumas das dificuldades e receios que tiveram neste projecto. Fernando Lavado já fazia teatro amador, antes de ser preso, no grupo de teatro «a capoeira», em Barcelos, «mas a maioria deles era a sua primeira experiência como actores», o elenco era de 18 pessoas que não tiveram qualquer critério de selecção, apenas a vontade de fazer coisas, úteis tanto para eles como para a sociedade que supostamente os espera.
Estes actores ambicionam fazer uma digressão com esta peça, uma vez que depois de ser representada na capela da cadeia, também todos recearam que fosse um fracasso, «tínhamos receio de que as pessoas do presidiário não gostassem devido à maioria ter um nível de cultura muito baixo», mas o que se verificou foi um enorme sucesso. Todos os dias casa cheia, com presidiários e gente de fora.
O presidiário Fernando Jorge Couto, foi preso por motivos de droga, era traficante e consumidor, por esse motivo apanhou seis anos e um mês, que acabava em Março. Deixou tudo o que o envolvia à droga, agora pretende voltar à sua antiga profissão, Armador de Ferro, mas pelo sim, pelo não, vai para o estrangeiro para que nunca lhe seja apontado um dedo. Fernando Lavado apanhou 12 anos e meio, era mergulhador profissional e a mulher é professora. «Entrei por consumir e como consequência fazia burla de cheques». Acrescentou ainda que, «o nosso sistema prisional é como a religião, castrador. Existe uma política demagoga, os políticos é que são rascas, deviam combater os grandes traficantes e não os pequenos, ou consumidores».
Para a maioria dos detidos a sala de chuto é «a pior coisa, porque nunca acabam nada. Se quisermos fumar vamos para o pátio, e aqui não há muitos que se enjectam». Noventa porcento dos reclusos fumam drogas, há poucos casos de seringas. Mas contam todos com apoio psicológico e psiquiátrico, mas são poucos os que para lá se dirigem.
A população prisional é de cerca de 680 reclusos, mas a lotação era de 570. Como as novas instalações, agora com sanitários, não chegam para todos, ou vão contra o que diz o código penal, que proíbe dois reclusos na mesma cela, pode estar um ou três, mas nunca dois, facto que se verifica aqui, ou se preferem celas individuais, têm de ficar com as antigas instalações, onde fazem as necessidades num balde. Não são conserteza as instalações de um hotel, mas são pessoas com direito à sua higiene pessoal.
A homossexualidade é bastante camuflada, pelo que se apurou, assumido só há um que vai mudando de parceiro, mas nunca foi descriminado, nem mal tratado pelos companheiros de cela.
Enquanto se tiram algumas notas, são alguns os prisioneiros que se aproximam para segredar algumas coisas que para eles são graves, deixam escapar que «existe um pavilhão onde somos castigados, se discutirmos no refeitório por causa da comida gera-se uma confusão e somos levados para o pavilhão. Podemos ficar lá desde 24h a 1 mês, além das faltas de higiene, pois usamos todos o mesmo balde, tem 22 camas e neste momento devem estar lá muitos, como se isto não bastasse, durante a noite, os guardas que não gostam de nós, entram de mansinho e espancam-nos violentamente de cacetete e depois é tudo abafado». Acrescenta ainda que «já se passaram casos de policias meterem droga cá dentro».
Antes da saída fomos encaminhados ao gabinete do director, luxuoso e confortável como já se calculava. A sua hospitalidade e simpatia foi de se lhe tirar o chapéu, rodeado de dois guardas, tentou responder a algumas questões levantadas, relacionadas com as condições de vida dos presidiários, e o Sr. Director tentou de forma desdramatizante, explicar o que se passa no seu estabelecimento prisional.
«Só me encontro cá há 6 meses e não sei bem quais os métodos utilizados pelo meu antecessor, mas em relação a mim, só vai para o pavilhão quem insulta um guarda, e no refeitório sou muito exigente, porque gera-se logo uma confusão. Neste momento só estão no pavilhão uns 2 ou 3, tem de ver que eles exageram muito, também, por isso, queira vigiar os textos que escrevem, não é censura mas procuramos que falem só verdades». Em relação à falta de higiene, «é uma questão complicada porque depende do orçamento do estado em relação às cadeias, como sabe a cadeia está super lutada, logo, as condições não podem ser as melhores. Não há naus tratos na minha cadeia, se houvesse, eu certamente tinha conhecimento, o que há e muito é a falta de higiene e as poucas condições que temos».
Afinal, este estabelecimento tem mais de 50 anos e as reformas que só foram feitas recentemente, não estão à vista de qualquer um.