sexta-feira, outubro 12, 2007

Elipse: Um projecto de ‘todos’

«A mulher tem menos tolerância à taxa de álcool, no entanto, em termos de taxa e efeito do álcool a mulher é mais forte do que o homem». Foi com esta frase que Ricardo Rodrigues, um dos responsáveis pelo projecto Elipse, em entrevista à revista dependências, revelou algumas das conclusões tiradas pela equipa durante as intervenções de rua, levantando assim o véu para a importância deste projecto na nossa sociedade ao afirmar que: «A nós interessa-nos é que tomem opções informadas dos riscos e das interacções».

O que é o projecto Elipse?

É um projecto que tenta integrar a retenção de riscos e a prevenção, levando até às pessoas o que elas realmente precisam, tentando segmentar o menos possível a oferta em termos de toxicodependências. Neste sentido, temos uma equipa de mediadores que vai para ‘a noite’ às sextas e sábados num determinado local que tanto pode ser uma zona de bares como à porta de uma discoteca. Temos inclusive vários promotores que trabalham connosco no aconselhamento de substâncias e sexo seguro.
Na parte da prevenção interessa-nos prevenir acidentes de viação, ou seja, a condução sobre o efeito de substâncias por um lado e por outro prevenir para a utilização de praticas seguras, seja do uso de substâncias, como em relações sexuais.

De que forma é que o projecto é posto em pratica?

Tudo isto é feito com a equipa de mediadores que vai para a rua abordar as pessoas e informa-las sobre o nosso programa. Oferecemos às pessoas os preservativos bem como a possibilidade de fazerem testes de álcool se assim o entenderem. As pessoas que quiserem fazer o teste de álcool respondem também a um inquérito muito curto. Podem fazer os testes de álcool que quiserem, porque estes têm um duplo sentido. Por um lado percebem com que taxa de álcool estão e por outro percebem como é que o corpo responde ao álcool. As fisiologias são diferentes de pessoa para pessoa e é preciso que cada um entenda como é que o corpo responde e o que é que lhe está a acontecer à medida que vai bebendo. Isto tudo leva-nos a outro efeito – a tolerância.

Em que consiste a tolerância?

Consiste em perceber que quando nos sentimos menos embriagados não quer dizer que tenhamos menos álcool, o corpo é que começa a aguentar mais, ou a desenvolver tolerância. Por outro lado, o teste também é uma porta de entrada para outro tipo de conversas sobre outro tipo de substâncias. É diferente fumar Haxixe e beber álcool de beber álcool e fumar Haxixe, são as mesmas substâncias, podem ser nas mesmas quantidades, mas as interacções delas produzem efeitos diferentes.

Qual é exactamente a diferença?

Por exemplo, o pico de álcool é muito mais lento se for consumido o Haxixe e depois o álcool, do que se for consumido o alcool e depois o Haxixe, aqui há um pico de álcool muito elevado. Se virmos pessoas que vão jantar e a seguir ao jantar fumam uma ‘ganza’ ficam mal dispostas, mas se formos ver pessoas que antes de jantar fumaram uma ‘ganza’ e depois beberam um copo, essas não ficaram mal dispostas. É esta a lógica.

Então ‘o segredo’ é fumar antes?

Isso já não é comigo eu não aconselho a consumir nem a não consumir, eu limito-me a explicar o que as coisas são e as pessoas tomam as opções que querem. A nós interessa-nos é que tomem opções informadas dos riscos e das interacções. Há outras interacções, como exemplo falei nesta do Haxixe porque o Haxixe interage com muita coisa. Nós percebemos pelos dados que tivemos que as pessoas que consomem Haxixe bebem muito mais álcool do que as que não consomem e há uma interacção muito grande. Isso acontece também com a cocaína, as pessoas que consomem cocaína bebem muito mais, mas a cocaína ‘abafa’ o efeito do álcool, então é normal que a pessoa para querer ter os mesmos efeitos de embriaguez tenha que beber muito mais. É preciso que as pessoas percebam isso, porque quando o efeito da cocaína passa, vem o efeito do álcool e podemos ser apanhados de surpresa.


Que outro tipo de intervenções costumam fazer?

Estes são os tipos de intervenções que podemos dar às pessoas, como por exemplo o mito de beber muita água, as pessoas já percebem que têm que ir bebendo e nunca se encherem de água; as temperaturas; o espaço chill out, todo este tipo de informação. O teste de álcool é uma porta para este tipo de conversas e para nós também percebermos como é que as coisas se estão a passar, porque o objectivo deste programa é também recolher informação e o que hoje mostrei aqui na minha apresentação, são resultados dos nossos inquéritos, onde queremos perceber como é que as pessoas se movimentam. Normalmente nem se movem muito, começam e acabam a noite nos sítios onde estão. Depois preocupa-nos saber se costumam consumir outras coisas ou não.


Que tipo de conclusões vão tirando com estes inquéritos?

Percebemos que as mulheres bebem muito menos do que os homens porque elas têm uma taxa de alcoolemia muito mais baixa, o que significa que se a mulher tiver a mesma taxa de alcoolemia do homem quer dizer que bebeu menos por causa da própria fisiologia, uma vez que a mulher tem menos tolerância ao álcool.

Depois de beber algumas vezes, vai ganhando tolerância?

A mulher tem menos tolerância à taxa de álcool, no entanto, em termos de taxa e efeito do álcool a mulher é mais forte do que o homem, devido à parte cultural, mas depois desenvolve tolerância, ou seja, os efeitos de embriagues podem ser menores, mas isso também é subjectivo, porque nós avaliamos a taxa de álcool e se as mulheres, para terem uma taxa de álcool semelhante bebem menos, para terem uma taxa de álcool muito menor, bebem ainda menos, isto é estatisticamente muito significativo. Sabemos por exemplo que quantos mais parceiros sexuais se tem, maior é a taxa de álcool.

Quer dizer que o número de parceiros sexuais influencia a taxa de consumo de álcool?

Nós fazemos uma pergunta às pessoas que consiste em saber quantos parceiros sexuais tiveram nos últimos 6 meses e quanto maior o número de parceiros sexuais, maior é o número de taxa de álcool dessas pessoas.

Se calhar é o oposto, quanto maior a taxa de álcool maior é o numero de parceiros?

É isso, nós também não conseguimos explicar o que leva a quê, mas conseguimos descrever este ponto: Pode ser que, de facto, as pessoas fiquem mais desinibidas para nos dizerem o que realmente se passa, mas constatamos que as pessoas que apresentam mais parceiros sexuais são as que apresentam uma maior taxa de álcool.

Que serviço é este, exactamente?

Nós formulamos esta pergunta em inquérito porque achamos que seria importante. Percebemos que há 25% de pessoas que são utilizadoras frequentes do nosso serviço e o nosso objectivo é retirar alguns mitos como: o Extasy e o Haxixe não fazem mal; mitos em todos os sentidos.

Ainda existem pessoas que desconhecem as consequências do Extasy?

Claro, mas quem é que sabe disso? Então repara, na noite o pessoal ‘mete’ pastilhas, duas, vinte ou trinta e às tantas descompensa, o que acontece é que essas pessoas saem da noite e nunca mais lá aparecem, quem passa mal sai da noite, logo, não há uma visibilidade das consequências de uma determinada substancia, enquanto que com a heroína toda a gente vê os toxicodependentes a arrumar carros.

Provavelmente os das pastilhas vão para hospitais…

Vão a hospitais, mas o pessoal que consome isso não tem a visibilidade dos problemas que podem vir a ter. Nós ainda vamos apanhando alguns que passam muito mal, o mesmo acontece com a cocaína que neste momento é um problema grave porque está a ser vista como uma droga que não causa problemas.

E cada vez mais é consumida por uma classe social diferenciada…

Está na moda e fica bem e por isso está a entrar ‘na noite’ muito rapidamente. É importante que se faça chegar às pessoas a ideia de que nós também os podemos ajudar e para tal temos que saber sobre outras substancias para além de heroína e por isso prestamos serviços de retenção de riscos em muitos C.A.T. durante as consultas, neste mês, por exemplo, estamos a fazer o mesmo nas ruas e é importante explicar à nossa população que de facto sabemos trabalhar, sabemos ajuda-los e tentamos levar até eles aquilo que necessitam para terem experiências mais seguras.

Esse é então o vosso grande pressuposto nesta área?

Se existir alguém que nos vem pedir ajuda e vir em nós alguém que até os percebe e que se calhar os pode ajudar, as pessoas não hesitam em nos procurar e, por isso, temos lá uma equipa do tratamento. Nós somos uma equipa de diferentes áreas, eu venho do tratamento, outros vêm da prevenção, outros vêm das reduções de riscos, é uma equipa multidisciplinar, com muitos saberes, temos elementos não licenciados, mas é importante todos termos um tronco comum na maneira de agir para nos conseguirmos ajustar à heterogeneidade da população que temos e, por outro lado, temos um tronco comum que consiste em termos todos o mesmo papel, todos somos mediadores de relação.