quarta-feira, novembro 16, 2005

O Erasmismo e a Inquisição em Portugal

O Processo de FR. Valentim da Luz


Comentário pessoal

"O Erasmismo e a Inquisição em Portugal" retrata, pormenorizadamente, todo um processo inquisitorial de Frei Valentim da Luz, que para a época em que viveu e pela sua maneira de aplicar os seus dotes eclesiásticos, acabou por ser por muitos considerado herege. Ou remetendo-nos ao título do livro, alguém que propunha o erasmismo, 'corrente ideológica comprometida entre o protestantismo e o papado'. Em linhas gerais, esta ideologia crítica a corrupção do clero, especialmente a do regular; a piedade supersticiosa e os aspectos mais exteriores da religião católica, como são o caso do culto dos santos, relíquias, entre outros. Isto tudo porque o erasmismo prefere uma religiosidade interior e espiritual fundada na oração mental, a uma religiosidade material. Por outro lado, mediante o irenismo, declara-se contra as guerras, sobretudo as de religião e mediante o paulinismo quer reinterpretar a teologia contida nas cartas de S. Paulo num sentido mais flexível. O erasmismo é apologista da existência de um poder político de carácter temporal na Europa, que identifica como império e outro poder espiritual, do papa, que deve ser deixado nas mãos de outros. Ora, como todos podemos quase adivinhar estas ideias a tocar o revolucionário, para a época, jamais poderiam ser aceites pela Igreja Católica. Então, Frei Valentim da Luz, que por algumas vezes agiu e pregou desta forma, por alguns considerada complexa ou pouco convencional, começou por sofrer variadas denúncias. O seu pensamento tinha começado a ter "vida própria" e, por isso, algumas vezes era-lhe difícil parar de se interrogar sobre o que via à sua volta.
Depois de analisadas todas as acusações ao pormenor – algumas delas assumidas pelo acusado -, chegou a hora do julgamento, onde se acusava, resumidamente, frei Valentim da Luz de:
1. Afirmar preposições herecticas, suspeitas e escandalosas.
2. Afirmar que não haviam de existir esmolas às igrejas para ornamento e outras necessidades que as igrejas têm, uma vez que era preferível serem dadas a pobres.
3. Pregar que não devia haver mais que duas missas, uma para os vivos e uma para os defuntos e que não sabia para que servia tanto clero.
4. Desejar uma igreja em que os sacerdotes fossem poucos e casados.
5. Não sentir legitimidade no poder do Santo Padre.
6. Não serem legítimas as indulgências e perdões do Santo Padre, dizia que preferia uma conta de prata a uma benta.
7. Afirmar que não achava na sagrada escritura lugar que dissesse que devíamos obediência a homens.
8. Afirmar que as demandas não eram lícitas na lei evangélica e que de forma alguma esta devia ser jurada.
9. Afirmar que a sagrada escritura havia de ser dita em linguagem que todos a entendessem.
10. Afirmar que a paixão de Cristo não havia de ser chorada, (outra vez contra a tradição católica).
11. Afirmar que o evangelho deve ser entendido à letra, sem outros entendimentos letrados.
12. Não aceitar o purgatório porque não encontrava autoridade em toda a sagrada escritura para tal, a qual proposição é herética e luterana.
13. Afirmar que os santos de nenhuma maneira se haviam de rogar. Zombava de quem mandava rezar missas aos santos porque só devíamos rogar a Deus.
14. Era contra a pintura de algumas imagens de santos em igrejas.
15. Em todas as partes onde comunicou as preposições heréticas e luteranas deu muito escândalo a todos os que o ouviam.
16. Querer provar que todo aquele que crê, está a ensinar ou persuadir contra a comum traição da igreja católica.
17. Provou nesta mesa, 'onde foi muitas vezes charitativamente amoestado que confessasse suas culpas e pedisse perdão pois assim lhe dariam a misericórdia que a igreja concede aos de puro coração e a ele se convertem, o que ele nunca quis fazer, persistindo na sua negativa e contumancia'.
Logo e posto isto, Frei Valentim da Luz deve: "Ser declarado herege, pertinaz e negativo, dogmatista de heresias, que as semeava, persuadia e ensinava e, ser entregue à justiça secular para dele se fazer cumprimento de direito, com áspero rigor de justiça".
Frei Valentim da Luz era um reformista, que numa altura de algumas mudanças, tal como muitos outros, sentiu que o caminho a seguir poderia ser diferente. Em todo o processo de acusação muitas foram as vezes que, no pensamento de Frei Valentim da Luz, nos apercebemos de influências luteranas – que não era mais do que uma reforma que pretendia renovar o Evangelho, a vida dos Cristãos das comunidades, e a igreja daquele tempo. Começando por proclamar Jesus Cristo como o único salvador, defende que somos salvos unicamente pela nossa fé, o único meio de comunhão com Cristo e Deus. O Evangelho é testemunhado pela Bíblia e, por isso, a Bíblia é a autoridade exclusiva em questões de fé.
Até se entendia que a Igreja Católica, contra o crescente avanço do protestantismo, tenha imposto a Inquisição - restaurada pelo papa Paulo III. Esta tinha como objectivo a busca e o esmagamento de toda a heresia, ao mesmo tempo que mantinha a Fé Católica. Discutido o assunto durante o Concílio de Trento, inaugura-se então, um período de recalque ideológico, de repressão a todas as manifestações culturais suspeitas de heterodoxia, através da Inquisição. A Cristandade cinde-se: As Penínsulas Ibérica e Itálica tornam-se assim baluartes do mundo Católico.
Frei Valentim da Luz foi só mais um entre tantos que por lá passaram.