Literatura y Ciencia ante la Inquisición Española
Trabalho sobre o livro
de
Ángel Alcalá
Ángel Alcalá pretende, com este livro, mostrar ao leitor, não só o que foi a Inquisição espanhola mas, acima de tudo, de que forma este tribunal actuava entranhando-se em todos os sectores de actividade. Sempre de forma imparcial, o autor vai-nos mostrando factos e estudos anteriormente realizados para que seja o leitor a tirar as suas próprias conclusões. De forma clarividente somos remetidos para uma viagem ao século de Ouro, onde a Inquisição se fazia sobressair de todas as formas.
Instituída em Espanha pelo Papa Sixto IV, a pedido dos Reis Católicos a 1 de Novembro de 1478 com a bula exigit sincerae devotionis affectus. Estendeu-se a vários países da Europa, mas em Espanha só a territórios da coroa de Aragão. A meio do século XV popularizou-se em toda Espanha pelo ódio aos judeus convertidos.
A nomeação dos Inquisidores era feita por um pontífice. O conselho da suprema inquisição funcionava como mais um conselho, os chamados de ministérios. A inquisição controlava toda a heresia da doutrina como a sua escrita, bem como todas as praticas intima da espiritualidade individual. Viajava e censurava as expressões dos escritores e científicos que ofendessem a ortodoxia estabelecida. A censura é a constante tentação de todo poder ansioso por defender-se dos inimigos.
Passaram quatro anos desde as primeiras denuncias até que Manrique lhes desse continuidade. Adriano fecha em Abril a proibição das obras de Lutero. Os alunbrados que ninguém havia impresso captaram a atenção do Santo Oficio, por tratar-se de uma seita laica, potencialmente incontrolável. A sua temporal coincidência com o Luteranismo e Erasmismo forçará a Inquisição a tê-los debaixo de olho.
Alumbradismo, Luteranismo e corrente pró-erasmiana foram a ponte entre a etapa institucional do Santo Oficio, centrada em processos contra judeus e mouros que se desenrolou com processos contra Luteranos e Cristãos novos suspeitos de desvio da ortodoxia. Os cristãos concretos que as comissões qualificadoras utilizavam para controlar os intelectuais só são conhecidos genericamente. A proibição de um determinado escrito dependia sempre do talento individual de cada censor.
Além da proibição total que não oferece duvidas foram também adoptados três métodos de censura pelos inquisidores. A mais frequente consistia em extrair do contexto uma ou outra frase sem ter em conta o género em que a obra se inseria ou a sua intenção, aparecendo com notas ofensivas de errónea escandalosa ou herética. Outro foi o expurgo, ou seja, permitia ler livros declarados bons, mas nos quais se haviam declarado frases e parágrafos suprimiveis com tinta grossa, arrancando mesmo algumas paginas consideráveis inaceitáveis. Um livro expurgado levava sempre à má reputação do autor, leitor e vendedor. Por fim, se o livro em questão fosse, por exemplo, de erudição clássica ou de conteúdo cientifico, a própria assinatura de um autor condenado tinha de constar na portada, dos escritos, de protestantes e suspeitos de outras heterodoxias, isto bastava para afastar possíveis leitores.
Uma pragmática ditada em Toledo em 1502 pelos reis católicos regulou pela primeira vez a concepção de licença para imprimir livros em Castela e vende-los no estrangeiro. A partir de 1554 uma pragmática de Filipe II em Valladolid ordena que esta actividade corresponda ao concelho de Castela, sancionando uma pratica que remonta a 1520. Por fim, foi ditada na mesma cidade, em 1558 por sua irmã, a princesa Joana, em nome do Rei divide a tarefa: Assina a esse conselho as licenças de impressão, mas ao Santo Oficio as de introduzir livros estrangeiros e submeter todos à proibição do seu conteúdo uma vez publicados. Estava-se a preparar o primeiro índice oficial da Inquisição, autorizado por Fernando de Valdês.
A historiografia da Inquisição só distingue os diversos delitos que processou, como o Judaísmo, o Maometismo, o Luteranismo, pseudo-misticismo, a bruxaria, a maçonaria, o liberalismo, para além de actos isolados de solicitação no confessionário, como bigamia, blasfémia, frases teologicamente insustentáveis (a mais frequente era a ideia de que o acto sexual entre solteiros não era pecado), entre outras. Sem prescindir de tão útil catalogação parece ser mais importante recordar as etapas culturais cujo desenrolar em Espanha coincide com a vigência da Inquisição.
Quatro vozes se ergueram contra estas praticas. Nebrija, Servet, Vergara e Vives, quatro humanistas que tinham em comum uma atitude aberta, anti escolástica e anti barbara de aplicar técnicas humanistas para melhor compreensão do texto e da mensagem tanto clássica como evangélica. Os quatro foram objecto de atenção e perseguição pessoal por parte do Sto. Oficio.
Nebrija (1441-1522) comparou-se com vários modelos italianos: Petrarca, iniciador do humanismo Hispânico, Valla e Ângelo Poliziano. Quando voltou a Espanha, trazia dez anos de estudos em Bolonha de 1460 até 1470, mudaram a atitude de Nebrija, de um humanismo textual a um humanismo evangélico e um semi-alumbrista. Também não se pode dizer que em 1495 a Rainha lhe tenha dito que mais à frente queria “consumir todo o resto da sua vida nas letras sagradas”. Nebrija trazia de Itália o germe de tudo o que vinha a ser. Mas tal como Valla, alterava as suas obrigações profissionais com os seus esforços vocacionais “in sacris litteris” quando lhe era possível.
Nebrija passou a ensinar em Salamanca de 73 a 86 e redigiu comentários de cinquenta passagens da escritura que no Inverno de 1505 tem listas para publicação. Como Melchor Cano e o seu partido não poderiam tolerar que “mujercillas e idiotas” falem de coisas de Deus, os Inquisidores não aceitam que “não sabendo a sagrada escritura, falem do que não conhecem”. Nebrija trazia assim a linha divisória do problema e a Inquisição não está disposta a admitir a autonomia técnica da ciência filosófica.
Miguel Servet (1511-1553) teve a proibição absoluta das suas obras. Originalmente Serveto, desde o Índex de Fernando Valdês em diante, não se deve esquecer que contra a sua pessoa se iniciou a Inquisição de Saragoça “in absentia” a instancias da suprema mas 20 anos antes. Na realidade a sua proibição é a mais antiga de qualquer autor espanhol. Mesmo depois de decretada a sua captura pela Inquisição, Servet atreveu-se a enviar um exemplar do seu escandaloso livro ao arcebispo de Saragoça. Algumas cartas posteriores a estes acontecimentos, ordenam que o seu próprio irmão Juan vá à Alemanha e França e o traía. Uma carta da suprema de Saragoça a 13 de Março insiste em que se informe o paradeiro de Miguel, outra de 3 de Maio acusa por fim o recebimento da “deposição de Juan Serveto” e repreende o tribunal de Aragão por sua negligencia ao identificar um acusado. Estas palavras são as últimas que um documento inquisitorial espanhol menciona Servet.
Francisco de Vergara, consumado helenista alcalaíno (1492-1557), canónico de Toledo, brilhante escritor de latim e castelhano, pensador elogiado depois de Melchor cano. Verdade que ele mesmo se meteu no ouvido inquisitorial por defender e pressionar a defesa do seu hermanastro Bernardino de Tovar. Igualmente violou o secreto e outras normas de estilo do Santo Oficio. Varias vezes se cruzou com Tovar, nas barbas dos Inquisidores. O processo de Vergara é uma antecipação e ensaio do de Carranza e frei Luís. Tinham à frente o mesmo inquisidor, Fernando Valdês. Valdês e Vergara tinham iniciado a carreira ao mesmo tempo. Foram juntos em comissão oficial a Flandres para informar os diocesanos do indigno sucessor. Vergara só se livrou da morte graças a alguns votos favoráveis de qualificadores amigos. Teve no entanto de pagar 1500 ducados ao Santo Oficio e sofrer a humilhação de sair em Auto público a 21 de Dezembro de 35. Passou mais um ano e meio de reclusão. Quatro anos de carcel e ainda sobreviveu outros 20.
Juan Luís Vives (1492-1541), desde o seu retiro das bruxas em uma das muitas cartas a Erasmo, este entendeu o alcance do que se passava em Espanha. Bastava-lhe comparar a sua representação intelectual com a intelectual e religiosa praticada ao mesmo tempo por Henrique VIII. Doze anos antes, em 1522 ouviu falar de Vergara ter ocupado o lugar de Nebrija à morte deste. Vives respondeu com evasivas, esquecendo as numerosas viagens a Inglaterra cruzando o canal e que lhe havia chamado Erasmo. Pôs no Índice os seus comentários aos XXII livros de “la ciudad de Dios” de Santo Agostinho. Um estudo sobre as relações entre Erasmo e Vives baseado no seu epistolário, demonstra que começam a enfiar-se desde que o valenciano começou a aprisionar desde 22 manifestando a sua posição ao luteranismo.
Na perspectiva do autor pode-se comprovar que o erasmismo em terreno intelectual da época tentou desempenhar um papel análogo ao do alumbradismo no campo da espiritualidade e exactamente durante os mesmos anos. Ambos foram o oportuno revulsivo das inteligências e das interioridades das almas, até que a inquisição suspeitou da sua ortodoxia por conivência com as aguas do Luteranismo, passando desde então a ser para ela o “terminus a quo” do conformismo imposto pelo controle inquisitorial. Uma vez adoptada essa atitude de vigilância e repulsa, se estenderá até encontrar toda a actividade intelectual que se mostre a fim da atitude critica manifestada pelo erasmismo nos diversos campos da sua curiosidade humanística.
Em consequência, o Índice de Valdês reconhece e amplia as ideias de Erasmo ensaiadas em 1527 em Valladolid, impostas pelo decreto de Setembro de 37 e formuladas logo no primeiro Índice de 1551, copiado da Universidade de Lavoina. Valdês enumera como proibidas todas as suas obras traduzidas até 1559 e algumas em Latim, os mesmos que mais claramente estarão nos seus Índices proibitivos, Quiroga, Sandoval e Zapata. O de Sandoval traz uma aclaração bem eloquente, que o de Marín repete em 1707. O nome Erasmo desaparece da pluma dos escritores espanhóis e pouco a pouco também a influência do seu pensamento. A obsessão inquisitorial contra Erasmo como venero da heterodoxia irá em aumento, paradoxalmente, à medida que o XVI se acerca ao fim. Os títulos das suas obras latinas proibidas por Quiroga ocupam duas densas páginas, mas os seus expurgos, referidos à Ed. de Froben e Episcopius muitas mais, da 81 à 114. Anos mais tarde, aquando de Erasmo em Espanha conservam-se os Índices posteriores referindo-se sempre à mesma edição, o que demonstra que o Santo Oficio ou não conhecia outras ou meramente repetia os expurgos.
No caso dos Alumbrados, o Santo Oficio não só perseguiu pessoalmente como procurou sujar a memória dos escritos medievais que podiam ser fonte da sua inspiração. Algo parecido se observa a respeito do erasmismo. Vários factores ocorrem desde meados de 1529 para impulsionar o Santo Oficio a intensificar o seu controle intelectual que se fazia respirar nos ares do inconformismo erasmista. A reunião de Valladolid no Verão de 27 não tinha passado de alerta.
A aresta pré-erasmista de sátira anticlerical impele que com o tempo se chegue à veda inquisitorial de maestros clássicos e renascentistas da sátira e epigrama e sim não de toda, pois por ser tão abundante tinha resultado excessivo, de boa parte de criticas que os qualificadores não podiam encarar com demasiado gozo.
Em outra ordem de obras já Valdês havia incluído no seu Índex o “Manipulus curatorum” em romance ou em Latim, do turolense Guido de Montroche, escrito em 1320. O Santo Oficio corrigiu-a antes de permitir a impressão de Salamanca do ano de 74; em consequência, Quiroga e Sandoval proíbem os exemplares de edições anteriores. Vercial acreditando em Valderas, que estudava em Salamanca em 1392 e viveu pelo menos até 1436, é também autor de um “Confesional” muito divulgado por muito tempo e do “livro dos exemplos por a.b.c.”, paradoxalmente não tocado pelo Santo Oficio.
Teólogos e Canonistas foram o braço que o Santo Oficio necessitou para ir diferenciando atitudes espirituais, até desabrochar lentamente, nunca sem fricções e para sempre no que se veio a tornar. A nitidez com que hoje nos podemos referir à experiência mística e usar uma terminologia clara e ortodoxamente aceitável deve-se a um grande esforço da Inquisição e não menos ao espiritual, cujos escritos espirituais são para ela magistrais.
A maior parte das obras censuradas nos primeiros Índices estão em Latim especialmente temas de teologia, reforma, filosofia, ciencia, ensaios e ainda comércio epistolar internacional e por conseguinte diplomacia. Não há duvida que o mais molesto do alumbradismo para a Inquisição e para a igreja era que difundindo entre minorias de gente autodidacta e quase sempre laica, ainda que relativamente culta se arrogavam esta total independência desses órgãos oficiais de ortodoxia: bastava-lhes «um sentido experimental que se prometiam a si mesmos da fá do amor de Deus» e a sua própria interpretação da bíblia.
O Santo Oficio seguiu sempre suspeitando até ao final de expressões religiosamente intimistas, como a paz do coração, sofrimento interior, convite divino, união, núpcias divinas, arte de amor escondidamente, aniquilação, silencio interior, senda escondida, noite escura, puro amor, nudez, transformação em Deus e outras metáforas que se nos fizeram comuns.
Não foi fácil este controle, desde a sua acentuada mentalidade eclesiástica, adversa em principio a expressões de intimidades espiritual, devia esclarecer-se correntes de muitas diversas procedências e sentidos, reorientar a piedade tradicional despojando-a da superstição acumulada nos séculos medievais, mas em registar os movimentos espiritualistas e reformadores mais do que a ortodoxia tradicional podia permitir.
Há que interrogar quais eram os critérios escolhidos pela Inquisição para a sua actividade proibitiva ou expurgada. Os princípios concretos de proibição de todos estes Índices desde o de Quiroga imprimiam o prólogo. Frequentemente os censores tinham que invocar o pertinente em cada caso à hora de solicitar a Suprema, a atitude concreta que havia que tomar. Há também que assinalar o progressivo endurecimento da censura inquisitorial nesta matéria desde meados do século XVII. O Santo Oficio não encontra ocupação em causas dogmáticas e justifica a sua preferência centrando-se em assuntos como os que motivaram a sua fundação original., a sua crescente dureza com obras de passatempo. Foram mais obras de autores italianos e por conseguinte portugueses, franceses, alemães ainda que não muitos. Quem aborda a necessária tarefa de realizar um estudo total da fortuna da variada literatura estrangeira nas mãos do Santo Oficio espanhol entrará num campo praticamente em barbeito.
Devemos concentrar-nos também nos escritos de literatura criativa propriamente dita, valendo-nos da sua divisão nos géneros tradicionais de teatro, poesia e novela. Mas temos que fazer antes um par de esclarações. O primeiro género literário que não goza das simpatias sensoriais dos inquisidores é o teatro. O teatro renascentista vem a ser a primeira vitima literária da criva sensorial da Inquisição e até um ponto, realmente cruel. Tal atitude anti teatral manter-se-á com menor intensidade, frente à relevante criação teatral do século de ouro e se fará ostentosa ainda que se valendo das armas do Santo Oficio, na continua discussão que teólogos e moralistas alimentaram, sobra a licitude ou ilicitude do teatro, mas chegou ao paroxismo com inúmeras proibições de comédias e sainetes ao largo do século XVIII. Por outro lado, algumas obras teatrais escritas em XVI e XVII por autores como Belmonte Bermúdez, Jerónimo de Câncer, Gidínez, Pérez de Montalbán, Lope de Veja, entre outros foram condenados à extinção, não só a expurgo, nos três últimos Índices da Inquisição espanhola, os de Valhadolid/Marín (1707), Perez de Prado (1747) e Rubín de Ceballos (1790 e 1805). O trato inquisitorial à poesia do século de Ouro foi muito mais benigno que o concedido ao teatro e à novela. É compreensível, pela diversa natureza de ambos os géneros, minoritária aquela, não prestigiada pelo atractivo da plasticidade que ao teatro concedem a representação e a publicidade ou à novela, a criação de personagens e episódios que se impõe sobre os da realidade cotidiana. Como antes, basta a enumeração adereçada com notas, que eram mais extensas quando se tratava de autores conhecidos.
A utilização política de proibições inquisitoriais de narração de sucessos históricos, por muito subjectiva, e falsa que fosse, era adversa aos interesses e ao prestigio da monarquia, fica claramente evidenciada na dos famosos “ Pedazos de historia o relaciones” de António Pérez (1540-1611) por Sandoval. O seu processo pelo tribunal de Saragoça por ordem da Suprema, faz escapar das carceles de Madrid. De menor quantia são as proibições como a de “Tratado dos estados eclesiásticos e seculares” de Diogo de Saa. Dá a impressão de que o Santo Oficio aspira a canalizar a favor dos seus interesses o conhecimento da história e da metodologia do seu estudo. A revisão dos Índices arroja um chamativo número de livros de história proibidos ou expurgados.
O controle inquisitorial do pensamento filosófico começa com o primeiro Índice, o de Valdês, proibindo três livros de Dialéctica anti-aristotelica. Ao dispor de correspondente que por acaso justificaria a proibição, há supor que o motivo foi simplesmente esse, o mero acto de o ser. A intenção e o alcance da oposição inquisitorial aos novos métodos filosóficos em nenhum caso se comprova com maior claridade que em Francis Bacon Verulam (1561-1626), tão celebre pela sua tradição ao conde de Essex, seu protector, como por sido Conciller de Inglaterra e por suas fundamentais obras filosóficas. É a base de novos rombos do método empírico que, ao criticar, as abstracções lógicas medievais, tentava às vezes purificar as fantasias cabalísticas e alquimistas e instaurar no germe o método da ciência moderna. Os cortes da censura inquisitorial espanhola com os filósofos resultam apesar da sua escassez, extraordinariamente sintomáticos. Depois de feitos os Índices alcançaram de um modo ou de outro quase todos os intelectuais espanhóis que, segundo a velha terminologia adoptada, nas suas não muito brilhantes obras por Bonilla e San Martín e logo por Solana, não duvidam em chamar «homens de espírito critico ou independente», incluindo esta tendência platónica. O Santo Oficio actuava controlando o pensamento espanhol desde o seu alcance aristotélico. Não vale objectar que não condenavam obras nominalistas só por o ser, já que essa tendência era uma das da escolástica medieval sumariamente apreciada na época. Essa sua serração mental resultou definitivamente para o futuro da Filosofia e da Ciência no país. As ideias críticas dos nossos médicos filósofos, de alguns dos nossos humanistas e dos defensores dos novos métodos empíricos e os novos horizontes filosóficos abriram caminho fora de Espanha, fora do controle inquisitorial, e ali germinaram. O moderado pirronismo de Montaigne e Sanchez com essa sua atitude independente, havia tratado de apanhar as ideias e crenças medievais.
Não ficaria completa esta revisão ao controle inquisitorial da cultura espanhola se não se incluir um estudo, do que a inquisição exerceu directamente, aparte da repressão ambiental, não concretamente quantificável em datas sobre livros de científicos tanto nacionais como estrangeiros. Difícil de precisar resulta a delimitação exacta entre os seus aspectos propriamente científicos e eminentes, que haveria de depender da invenção do método apropriado. O renascimento, nisto das ciências o mesmo que em todos os outros campos, se caracterizou pela busca dos métodos apropriados que nas diversas parcelas do saber vinham a ser possível à eclosão da modernidade, baseada na técnica racional ao serviço da investigação livre da verdade. O renascimento foi uma época de ruptura dos velhos moldes para os novos espirituais e mentais que por vezes coincidiam com a volta às fontes, as convicções e convenções medievais, com as decisões religiosas e intelectuais que significou quebrar a unidade e a ortodoxia tradicionais. A perspectiva de a que os Inquisidores censuravam obras cientificas não era cientifica, é dizer que não proibiam a ciência por ser ciência e enquanto tal se não opinavam apresentavam dados, hipóteses ou tendências que não se enquadravam nas suas interpretações de que criavam dogma ou opinião teológica comum. O mecanismo sensor inquisitorial não só era desesperadamente lento, com o seguinte detrimento de estudiosos e livros como repleto de prejuízos cujo mantimento ao longo dos largos séculos verificou graves consequências indirectas para a actividade científica em Espanha. Foram publicadas por autores protestantes entre 1560 e 1630, etapa chave da transcendental revolução científica que possibilitou o desenvolvimento técnico e económico da Europa.
Não se pode deixar de chamar a atenção do estudioso que já o Índice de Valdês proibia uma “geographia universalis” por Henricum Basilea. Sandoval condena variados expurgos, às vezes abundantes e largos, muitos livros de importantes tratadistas raianos entre a alquimia supersticiosa e a emergente ciência. Assim, uns quantos do químico e médico de Jena, autor do primeiro texto de química moderna, Andrea Libavius que não lhe valeram ser um dos maiores adversários de Teofrasto Paracelso, discutido o visionário tanto em empresas semicientificas como de reforma religiosa. Muito mais interessam as intermináveis censuras às valiosas obras do mais importante humanista e naturalista suíço, fundador da zoologia moderna. A perspectiva que a Inquisição proibia obras deste tipo era quase sempre o temor a que o povo não muito culto ficasse aficionado a usos supersticiosos que acarretam a crença de que podiam torcer os desígnios divinos e dominar a responsabilidade do livre arbítrio pessoal. Posto isto, e claro revendo proibições que penetram em pena modernidade, incluindo obras de clérigos.
Já Valdês proíbe quem sabe só por ser anónimo uma “Annatomia” da que não se podem constatar datas a não ser que se trate da “Anatomia capitis humani et chiromantiae compendium” que atribui a um tal “Ciclitis”. Não é difícil identifica-lo, o medico e filosofo hermético bolonhês Bartolomeo della Casa (1467-1504) «Cocles» quem foi executado por Bentivoglio por Predecirle que morriria em exílio. Apareceu em Estrasburgo em 1533. Ambas as visões são o indício do que viria a ser a postura do Santo Oficio frente aos médicos. Vai-se opor sempre às aplicações extra científicas da medicina, especialmente como vimos as baseadas em pressupor crédula e excessiva influencia dos astros que determine a conduta assim como prever esta pela observação dos rasgos faciais ou a estrutura anatómica.
O pêndulo de obsessões inquisitoriais mudou radicalmente e, isso a redacção original da maior parte desses escritos em Latim era improvável. O conteúdo chegara directamente ao povo leigo, mais tentado às classes superiores a credulidades pseudo científicas, ainda o renascimento até meados de XVIII reserva surpresas sobre esta hipótese. O que mais chama atenção é que nem Tarragona na Idade Media nem a Suprema na Moderna condenam obra alguma de Arnaldo das muitas que tratam da escrita das intoleráveis imortalidades do clero, da queda da igreja desde a sua constantização ao principio do século IV do apocaliticismo e franciscano espiritualismo radical de arnau, do seu frontal ataque à teologia.
Essa mesma obsessão motivará a menção no Índice de “Curationum medicilium centuriae (Lyon, 1560 e 80) de Amato Lusitano. Ignorância seria pretender que a ciência espanhola se visse afectada de modo directo por estes e outros leves cortes inquisitoriais. Maior transcendência encerram os expurgos decretados em obras medias de quatro dos maiores médicos do século XVI: Huarte, Vallés, Laguna e “Doña Oliva”.
Nenhum índice proibiu nem expurgou a “Viagem à Turquia” que então não era atribuído a Laguna e que Bataillon e Abellan tinham comparado com a razão pelo erasmismo politico à dos “Diálogos” de Alfonso de Valdês. Mas bem podiam tê-lo proibido ou ao menos expurgado, segundo as circunstâncias dos tempos e sensibilidades dos qualificadores. A mesma pergunta pode-se fazer sobre “El crotalón”, de Cristóbal de Villalón, ou sobre os seus “Diálogos de las transformações de Pitágoras”.
Foi aceitável presentear o trato inquisitorial à literatura e cultura espanholas do século de Ouro, separadamente da atenção que prestou às do século XVIII e principios do XIX. Por banal que às vezes resultasse tomar as divisórias seculares como indícios de câmbios culturais, tal critério tenta classificar e homologar as mudanças sociais de um período concreto de desenvolvimento histórico. Ainda há nas últimas décadas de XVII, registos notáveis das reacções que cada ano estão a ser melhor estudadas. O acesso dos Borbons em 1700 marca um ponto fundamental que nenhuma historiografia pode desdenhar.
A aspiração a controlar a expressão livre do pensamento, tentação dos regimes absolutos de todos os tempos, ocasião propicia para realizar-se de modo visível e eficaz ao comprovar que a revolução em comunicação e troca de ideias iniciada a fins do século XV pelo aparecimento do livro impresso não alcançava só pessoas capazes de decifrar o signo escrito, senão através de massas facilmente maleáveis. A imprensa diária ou semanal tão popularizada desde meados de XVIII, logo sobrepôs a influencia cultural do livro a causa dos lentos, mas progressivos logros de alfabetização e do acesso massivo a meios baratos de informação que só em meados de XX foram por sua vez superados pelos electrónicos. É lógico que a Inquisição, continuando os seus esforços por controlar os nocivos efeitos destes meios de difusão de «novidades» actuará frente ao Jornalismo com muito mais força do que a praticada frente ao livro.
A historia da repressão da imprensa pelo já Moribundo Santo Oficio está por escrever. Parece que não há nenhum estudo especializado que mereça ser citado, sobre um tema tão importante como este. Só uma pesquisa detalhada pelas hemerotecas comprovará a motivação concreta e a eficácia de tal medida. Com ela se atraem todas as iras dos conservadores e protegidos oficiais como Forner, pela sua critica a todos os usos irracionais do governo e dos costumes.
A dupla dimensão do uso sensorio, ao serviço de uma determinada filosofia politica e da repressão de toda a critica à sua própria actuação foi determinando, por uma parte, a condenação sistemática de todas as pessoas, acto escrito e dito que se pode interpretar, claro que sempre pelo mesmo tribunal e sem apelação possível., por outro, a proibição ou ao menos o expurgo de obras de nível politico e jurídico inaceitáveis ao mesmo tribunal mas com prejuízos do mesmo tipo. Na breve revisão que o espaço permite, começaram por verdades antigas. Havia de se contar entre estas, Machiavel no Índice de Sandoval, assim como “De la republique” e outras obras de Bodin e de todo Justo Lipsio «até que se corrija».
No entanto, apesar de todo o controle, sempre correram ventos de liberdade ideológica. Apesar do entrave verificado na idade media e moderna a Inquisição acabou por ser abolida sendo vencida pelas suas próprias inseguranças e consevadorismo. Durante toda a história da humanidade se verificaram terrores de varias espécies, sempre que se aspirou o poder absoluto e este foi e sempre será, de uma forma ou de outra, a grande falha do ser humano. A aspiração pelo poder absoluto, a tentativa de controlar tudo e todos com a finalidade dos seus próprios objectivos. No entanto, tudo é cíclico e tudo se transforma. Apesar de todos os esforços, há uma coisa que ninguém consegue controlar, a mente humana. Esta sim controla-nos a todos e não há poder absoluto que a supere.
de
Ángel Alcalá
Ángel Alcalá pretende, com este livro, mostrar ao leitor, não só o que foi a Inquisição espanhola mas, acima de tudo, de que forma este tribunal actuava entranhando-se em todos os sectores de actividade. Sempre de forma imparcial, o autor vai-nos mostrando factos e estudos anteriormente realizados para que seja o leitor a tirar as suas próprias conclusões. De forma clarividente somos remetidos para uma viagem ao século de Ouro, onde a Inquisição se fazia sobressair de todas as formas.
Instituída em Espanha pelo Papa Sixto IV, a pedido dos Reis Católicos a 1 de Novembro de 1478 com a bula exigit sincerae devotionis affectus. Estendeu-se a vários países da Europa, mas em Espanha só a territórios da coroa de Aragão. A meio do século XV popularizou-se em toda Espanha pelo ódio aos judeus convertidos.
A nomeação dos Inquisidores era feita por um pontífice. O conselho da suprema inquisição funcionava como mais um conselho, os chamados de ministérios. A inquisição controlava toda a heresia da doutrina como a sua escrita, bem como todas as praticas intima da espiritualidade individual. Viajava e censurava as expressões dos escritores e científicos que ofendessem a ortodoxia estabelecida. A censura é a constante tentação de todo poder ansioso por defender-se dos inimigos.
Passaram quatro anos desde as primeiras denuncias até que Manrique lhes desse continuidade. Adriano fecha em Abril a proibição das obras de Lutero. Os alunbrados que ninguém havia impresso captaram a atenção do Santo Oficio, por tratar-se de uma seita laica, potencialmente incontrolável. A sua temporal coincidência com o Luteranismo e Erasmismo forçará a Inquisição a tê-los debaixo de olho.
Alumbradismo, Luteranismo e corrente pró-erasmiana foram a ponte entre a etapa institucional do Santo Oficio, centrada em processos contra judeus e mouros que se desenrolou com processos contra Luteranos e Cristãos novos suspeitos de desvio da ortodoxia. Os cristãos concretos que as comissões qualificadoras utilizavam para controlar os intelectuais só são conhecidos genericamente. A proibição de um determinado escrito dependia sempre do talento individual de cada censor.
Além da proibição total que não oferece duvidas foram também adoptados três métodos de censura pelos inquisidores. A mais frequente consistia em extrair do contexto uma ou outra frase sem ter em conta o género em que a obra se inseria ou a sua intenção, aparecendo com notas ofensivas de errónea escandalosa ou herética. Outro foi o expurgo, ou seja, permitia ler livros declarados bons, mas nos quais se haviam declarado frases e parágrafos suprimiveis com tinta grossa, arrancando mesmo algumas paginas consideráveis inaceitáveis. Um livro expurgado levava sempre à má reputação do autor, leitor e vendedor. Por fim, se o livro em questão fosse, por exemplo, de erudição clássica ou de conteúdo cientifico, a própria assinatura de um autor condenado tinha de constar na portada, dos escritos, de protestantes e suspeitos de outras heterodoxias, isto bastava para afastar possíveis leitores.
Uma pragmática ditada em Toledo em 1502 pelos reis católicos regulou pela primeira vez a concepção de licença para imprimir livros em Castela e vende-los no estrangeiro. A partir de 1554 uma pragmática de Filipe II em Valladolid ordena que esta actividade corresponda ao concelho de Castela, sancionando uma pratica que remonta a 1520. Por fim, foi ditada na mesma cidade, em 1558 por sua irmã, a princesa Joana, em nome do Rei divide a tarefa: Assina a esse conselho as licenças de impressão, mas ao Santo Oficio as de introduzir livros estrangeiros e submeter todos à proibição do seu conteúdo uma vez publicados. Estava-se a preparar o primeiro índice oficial da Inquisição, autorizado por Fernando de Valdês.
A historiografia da Inquisição só distingue os diversos delitos que processou, como o Judaísmo, o Maometismo, o Luteranismo, pseudo-misticismo, a bruxaria, a maçonaria, o liberalismo, para além de actos isolados de solicitação no confessionário, como bigamia, blasfémia, frases teologicamente insustentáveis (a mais frequente era a ideia de que o acto sexual entre solteiros não era pecado), entre outras. Sem prescindir de tão útil catalogação parece ser mais importante recordar as etapas culturais cujo desenrolar em Espanha coincide com a vigência da Inquisição.
Quatro vozes se ergueram contra estas praticas. Nebrija, Servet, Vergara e Vives, quatro humanistas que tinham em comum uma atitude aberta, anti escolástica e anti barbara de aplicar técnicas humanistas para melhor compreensão do texto e da mensagem tanto clássica como evangélica. Os quatro foram objecto de atenção e perseguição pessoal por parte do Sto. Oficio.
Nebrija (1441-1522) comparou-se com vários modelos italianos: Petrarca, iniciador do humanismo Hispânico, Valla e Ângelo Poliziano. Quando voltou a Espanha, trazia dez anos de estudos em Bolonha de 1460 até 1470, mudaram a atitude de Nebrija, de um humanismo textual a um humanismo evangélico e um semi-alumbrista. Também não se pode dizer que em 1495 a Rainha lhe tenha dito que mais à frente queria “consumir todo o resto da sua vida nas letras sagradas”. Nebrija trazia de Itália o germe de tudo o que vinha a ser. Mas tal como Valla, alterava as suas obrigações profissionais com os seus esforços vocacionais “in sacris litteris” quando lhe era possível.
Nebrija passou a ensinar em Salamanca de 73 a 86 e redigiu comentários de cinquenta passagens da escritura que no Inverno de 1505 tem listas para publicação. Como Melchor Cano e o seu partido não poderiam tolerar que “mujercillas e idiotas” falem de coisas de Deus, os Inquisidores não aceitam que “não sabendo a sagrada escritura, falem do que não conhecem”. Nebrija trazia assim a linha divisória do problema e a Inquisição não está disposta a admitir a autonomia técnica da ciência filosófica.
Miguel Servet (1511-1553) teve a proibição absoluta das suas obras. Originalmente Serveto, desde o Índex de Fernando Valdês em diante, não se deve esquecer que contra a sua pessoa se iniciou a Inquisição de Saragoça “in absentia” a instancias da suprema mas 20 anos antes. Na realidade a sua proibição é a mais antiga de qualquer autor espanhol. Mesmo depois de decretada a sua captura pela Inquisição, Servet atreveu-se a enviar um exemplar do seu escandaloso livro ao arcebispo de Saragoça. Algumas cartas posteriores a estes acontecimentos, ordenam que o seu próprio irmão Juan vá à Alemanha e França e o traía. Uma carta da suprema de Saragoça a 13 de Março insiste em que se informe o paradeiro de Miguel, outra de 3 de Maio acusa por fim o recebimento da “deposição de Juan Serveto” e repreende o tribunal de Aragão por sua negligencia ao identificar um acusado. Estas palavras são as últimas que um documento inquisitorial espanhol menciona Servet.
Francisco de Vergara, consumado helenista alcalaíno (1492-1557), canónico de Toledo, brilhante escritor de latim e castelhano, pensador elogiado depois de Melchor cano. Verdade que ele mesmo se meteu no ouvido inquisitorial por defender e pressionar a defesa do seu hermanastro Bernardino de Tovar. Igualmente violou o secreto e outras normas de estilo do Santo Oficio. Varias vezes se cruzou com Tovar, nas barbas dos Inquisidores. O processo de Vergara é uma antecipação e ensaio do de Carranza e frei Luís. Tinham à frente o mesmo inquisidor, Fernando Valdês. Valdês e Vergara tinham iniciado a carreira ao mesmo tempo. Foram juntos em comissão oficial a Flandres para informar os diocesanos do indigno sucessor. Vergara só se livrou da morte graças a alguns votos favoráveis de qualificadores amigos. Teve no entanto de pagar 1500 ducados ao Santo Oficio e sofrer a humilhação de sair em Auto público a 21 de Dezembro de 35. Passou mais um ano e meio de reclusão. Quatro anos de carcel e ainda sobreviveu outros 20.
Juan Luís Vives (1492-1541), desde o seu retiro das bruxas em uma das muitas cartas a Erasmo, este entendeu o alcance do que se passava em Espanha. Bastava-lhe comparar a sua representação intelectual com a intelectual e religiosa praticada ao mesmo tempo por Henrique VIII. Doze anos antes, em 1522 ouviu falar de Vergara ter ocupado o lugar de Nebrija à morte deste. Vives respondeu com evasivas, esquecendo as numerosas viagens a Inglaterra cruzando o canal e que lhe havia chamado Erasmo. Pôs no Índice os seus comentários aos XXII livros de “la ciudad de Dios” de Santo Agostinho. Um estudo sobre as relações entre Erasmo e Vives baseado no seu epistolário, demonstra que começam a enfiar-se desde que o valenciano começou a aprisionar desde 22 manifestando a sua posição ao luteranismo.
Na perspectiva do autor pode-se comprovar que o erasmismo em terreno intelectual da época tentou desempenhar um papel análogo ao do alumbradismo no campo da espiritualidade e exactamente durante os mesmos anos. Ambos foram o oportuno revulsivo das inteligências e das interioridades das almas, até que a inquisição suspeitou da sua ortodoxia por conivência com as aguas do Luteranismo, passando desde então a ser para ela o “terminus a quo” do conformismo imposto pelo controle inquisitorial. Uma vez adoptada essa atitude de vigilância e repulsa, se estenderá até encontrar toda a actividade intelectual que se mostre a fim da atitude critica manifestada pelo erasmismo nos diversos campos da sua curiosidade humanística.
Em consequência, o Índice de Valdês reconhece e amplia as ideias de Erasmo ensaiadas em 1527 em Valladolid, impostas pelo decreto de Setembro de 37 e formuladas logo no primeiro Índice de 1551, copiado da Universidade de Lavoina. Valdês enumera como proibidas todas as suas obras traduzidas até 1559 e algumas em Latim, os mesmos que mais claramente estarão nos seus Índices proibitivos, Quiroga, Sandoval e Zapata. O de Sandoval traz uma aclaração bem eloquente, que o de Marín repete em 1707. O nome Erasmo desaparece da pluma dos escritores espanhóis e pouco a pouco também a influência do seu pensamento. A obsessão inquisitorial contra Erasmo como venero da heterodoxia irá em aumento, paradoxalmente, à medida que o XVI se acerca ao fim. Os títulos das suas obras latinas proibidas por Quiroga ocupam duas densas páginas, mas os seus expurgos, referidos à Ed. de Froben e Episcopius muitas mais, da 81 à 114. Anos mais tarde, aquando de Erasmo em Espanha conservam-se os Índices posteriores referindo-se sempre à mesma edição, o que demonstra que o Santo Oficio ou não conhecia outras ou meramente repetia os expurgos.
No caso dos Alumbrados, o Santo Oficio não só perseguiu pessoalmente como procurou sujar a memória dos escritos medievais que podiam ser fonte da sua inspiração. Algo parecido se observa a respeito do erasmismo. Vários factores ocorrem desde meados de 1529 para impulsionar o Santo Oficio a intensificar o seu controle intelectual que se fazia respirar nos ares do inconformismo erasmista. A reunião de Valladolid no Verão de 27 não tinha passado de alerta.
A aresta pré-erasmista de sátira anticlerical impele que com o tempo se chegue à veda inquisitorial de maestros clássicos e renascentistas da sátira e epigrama e sim não de toda, pois por ser tão abundante tinha resultado excessivo, de boa parte de criticas que os qualificadores não podiam encarar com demasiado gozo.
Em outra ordem de obras já Valdês havia incluído no seu Índex o “Manipulus curatorum” em romance ou em Latim, do turolense Guido de Montroche, escrito em 1320. O Santo Oficio corrigiu-a antes de permitir a impressão de Salamanca do ano de 74; em consequência, Quiroga e Sandoval proíbem os exemplares de edições anteriores. Vercial acreditando em Valderas, que estudava em Salamanca em 1392 e viveu pelo menos até 1436, é também autor de um “Confesional” muito divulgado por muito tempo e do “livro dos exemplos por a.b.c.”, paradoxalmente não tocado pelo Santo Oficio.
Teólogos e Canonistas foram o braço que o Santo Oficio necessitou para ir diferenciando atitudes espirituais, até desabrochar lentamente, nunca sem fricções e para sempre no que se veio a tornar. A nitidez com que hoje nos podemos referir à experiência mística e usar uma terminologia clara e ortodoxamente aceitável deve-se a um grande esforço da Inquisição e não menos ao espiritual, cujos escritos espirituais são para ela magistrais.
A maior parte das obras censuradas nos primeiros Índices estão em Latim especialmente temas de teologia, reforma, filosofia, ciencia, ensaios e ainda comércio epistolar internacional e por conseguinte diplomacia. Não há duvida que o mais molesto do alumbradismo para a Inquisição e para a igreja era que difundindo entre minorias de gente autodidacta e quase sempre laica, ainda que relativamente culta se arrogavam esta total independência desses órgãos oficiais de ortodoxia: bastava-lhes «um sentido experimental que se prometiam a si mesmos da fá do amor de Deus» e a sua própria interpretação da bíblia.
O Santo Oficio seguiu sempre suspeitando até ao final de expressões religiosamente intimistas, como a paz do coração, sofrimento interior, convite divino, união, núpcias divinas, arte de amor escondidamente, aniquilação, silencio interior, senda escondida, noite escura, puro amor, nudez, transformação em Deus e outras metáforas que se nos fizeram comuns.
Não foi fácil este controle, desde a sua acentuada mentalidade eclesiástica, adversa em principio a expressões de intimidades espiritual, devia esclarecer-se correntes de muitas diversas procedências e sentidos, reorientar a piedade tradicional despojando-a da superstição acumulada nos séculos medievais, mas em registar os movimentos espiritualistas e reformadores mais do que a ortodoxia tradicional podia permitir.
Há que interrogar quais eram os critérios escolhidos pela Inquisição para a sua actividade proibitiva ou expurgada. Os princípios concretos de proibição de todos estes Índices desde o de Quiroga imprimiam o prólogo. Frequentemente os censores tinham que invocar o pertinente em cada caso à hora de solicitar a Suprema, a atitude concreta que havia que tomar. Há também que assinalar o progressivo endurecimento da censura inquisitorial nesta matéria desde meados do século XVII. O Santo Oficio não encontra ocupação em causas dogmáticas e justifica a sua preferência centrando-se em assuntos como os que motivaram a sua fundação original., a sua crescente dureza com obras de passatempo. Foram mais obras de autores italianos e por conseguinte portugueses, franceses, alemães ainda que não muitos. Quem aborda a necessária tarefa de realizar um estudo total da fortuna da variada literatura estrangeira nas mãos do Santo Oficio espanhol entrará num campo praticamente em barbeito.
Devemos concentrar-nos também nos escritos de literatura criativa propriamente dita, valendo-nos da sua divisão nos géneros tradicionais de teatro, poesia e novela. Mas temos que fazer antes um par de esclarações. O primeiro género literário que não goza das simpatias sensoriais dos inquisidores é o teatro. O teatro renascentista vem a ser a primeira vitima literária da criva sensorial da Inquisição e até um ponto, realmente cruel. Tal atitude anti teatral manter-se-á com menor intensidade, frente à relevante criação teatral do século de ouro e se fará ostentosa ainda que se valendo das armas do Santo Oficio, na continua discussão que teólogos e moralistas alimentaram, sobra a licitude ou ilicitude do teatro, mas chegou ao paroxismo com inúmeras proibições de comédias e sainetes ao largo do século XVIII. Por outro lado, algumas obras teatrais escritas em XVI e XVII por autores como Belmonte Bermúdez, Jerónimo de Câncer, Gidínez, Pérez de Montalbán, Lope de Veja, entre outros foram condenados à extinção, não só a expurgo, nos três últimos Índices da Inquisição espanhola, os de Valhadolid/Marín (1707), Perez de Prado (1747) e Rubín de Ceballos (1790 e 1805). O trato inquisitorial à poesia do século de Ouro foi muito mais benigno que o concedido ao teatro e à novela. É compreensível, pela diversa natureza de ambos os géneros, minoritária aquela, não prestigiada pelo atractivo da plasticidade que ao teatro concedem a representação e a publicidade ou à novela, a criação de personagens e episódios que se impõe sobre os da realidade cotidiana. Como antes, basta a enumeração adereçada com notas, que eram mais extensas quando se tratava de autores conhecidos.
A utilização política de proibições inquisitoriais de narração de sucessos históricos, por muito subjectiva, e falsa que fosse, era adversa aos interesses e ao prestigio da monarquia, fica claramente evidenciada na dos famosos “ Pedazos de historia o relaciones” de António Pérez (1540-1611) por Sandoval. O seu processo pelo tribunal de Saragoça por ordem da Suprema, faz escapar das carceles de Madrid. De menor quantia são as proibições como a de “Tratado dos estados eclesiásticos e seculares” de Diogo de Saa. Dá a impressão de que o Santo Oficio aspira a canalizar a favor dos seus interesses o conhecimento da história e da metodologia do seu estudo. A revisão dos Índices arroja um chamativo número de livros de história proibidos ou expurgados.
O controle inquisitorial do pensamento filosófico começa com o primeiro Índice, o de Valdês, proibindo três livros de Dialéctica anti-aristotelica. Ao dispor de correspondente que por acaso justificaria a proibição, há supor que o motivo foi simplesmente esse, o mero acto de o ser. A intenção e o alcance da oposição inquisitorial aos novos métodos filosóficos em nenhum caso se comprova com maior claridade que em Francis Bacon Verulam (1561-1626), tão celebre pela sua tradição ao conde de Essex, seu protector, como por sido Conciller de Inglaterra e por suas fundamentais obras filosóficas. É a base de novos rombos do método empírico que, ao criticar, as abstracções lógicas medievais, tentava às vezes purificar as fantasias cabalísticas e alquimistas e instaurar no germe o método da ciência moderna. Os cortes da censura inquisitorial espanhola com os filósofos resultam apesar da sua escassez, extraordinariamente sintomáticos. Depois de feitos os Índices alcançaram de um modo ou de outro quase todos os intelectuais espanhóis que, segundo a velha terminologia adoptada, nas suas não muito brilhantes obras por Bonilla e San Martín e logo por Solana, não duvidam em chamar «homens de espírito critico ou independente», incluindo esta tendência platónica. O Santo Oficio actuava controlando o pensamento espanhol desde o seu alcance aristotélico. Não vale objectar que não condenavam obras nominalistas só por o ser, já que essa tendência era uma das da escolástica medieval sumariamente apreciada na época. Essa sua serração mental resultou definitivamente para o futuro da Filosofia e da Ciência no país. As ideias críticas dos nossos médicos filósofos, de alguns dos nossos humanistas e dos defensores dos novos métodos empíricos e os novos horizontes filosóficos abriram caminho fora de Espanha, fora do controle inquisitorial, e ali germinaram. O moderado pirronismo de Montaigne e Sanchez com essa sua atitude independente, havia tratado de apanhar as ideias e crenças medievais.
Não ficaria completa esta revisão ao controle inquisitorial da cultura espanhola se não se incluir um estudo, do que a inquisição exerceu directamente, aparte da repressão ambiental, não concretamente quantificável em datas sobre livros de científicos tanto nacionais como estrangeiros. Difícil de precisar resulta a delimitação exacta entre os seus aspectos propriamente científicos e eminentes, que haveria de depender da invenção do método apropriado. O renascimento, nisto das ciências o mesmo que em todos os outros campos, se caracterizou pela busca dos métodos apropriados que nas diversas parcelas do saber vinham a ser possível à eclosão da modernidade, baseada na técnica racional ao serviço da investigação livre da verdade. O renascimento foi uma época de ruptura dos velhos moldes para os novos espirituais e mentais que por vezes coincidiam com a volta às fontes, as convicções e convenções medievais, com as decisões religiosas e intelectuais que significou quebrar a unidade e a ortodoxia tradicionais. A perspectiva de a que os Inquisidores censuravam obras cientificas não era cientifica, é dizer que não proibiam a ciência por ser ciência e enquanto tal se não opinavam apresentavam dados, hipóteses ou tendências que não se enquadravam nas suas interpretações de que criavam dogma ou opinião teológica comum. O mecanismo sensor inquisitorial não só era desesperadamente lento, com o seguinte detrimento de estudiosos e livros como repleto de prejuízos cujo mantimento ao longo dos largos séculos verificou graves consequências indirectas para a actividade científica em Espanha. Foram publicadas por autores protestantes entre 1560 e 1630, etapa chave da transcendental revolução científica que possibilitou o desenvolvimento técnico e económico da Europa.
Não se pode deixar de chamar a atenção do estudioso que já o Índice de Valdês proibia uma “geographia universalis” por Henricum Basilea. Sandoval condena variados expurgos, às vezes abundantes e largos, muitos livros de importantes tratadistas raianos entre a alquimia supersticiosa e a emergente ciência. Assim, uns quantos do químico e médico de Jena, autor do primeiro texto de química moderna, Andrea Libavius que não lhe valeram ser um dos maiores adversários de Teofrasto Paracelso, discutido o visionário tanto em empresas semicientificas como de reforma religiosa. Muito mais interessam as intermináveis censuras às valiosas obras do mais importante humanista e naturalista suíço, fundador da zoologia moderna. A perspectiva que a Inquisição proibia obras deste tipo era quase sempre o temor a que o povo não muito culto ficasse aficionado a usos supersticiosos que acarretam a crença de que podiam torcer os desígnios divinos e dominar a responsabilidade do livre arbítrio pessoal. Posto isto, e claro revendo proibições que penetram em pena modernidade, incluindo obras de clérigos.
Já Valdês proíbe quem sabe só por ser anónimo uma “Annatomia” da que não se podem constatar datas a não ser que se trate da “Anatomia capitis humani et chiromantiae compendium” que atribui a um tal “Ciclitis”. Não é difícil identifica-lo, o medico e filosofo hermético bolonhês Bartolomeo della Casa (1467-1504) «Cocles» quem foi executado por Bentivoglio por Predecirle que morriria em exílio. Apareceu em Estrasburgo em 1533. Ambas as visões são o indício do que viria a ser a postura do Santo Oficio frente aos médicos. Vai-se opor sempre às aplicações extra científicas da medicina, especialmente como vimos as baseadas em pressupor crédula e excessiva influencia dos astros que determine a conduta assim como prever esta pela observação dos rasgos faciais ou a estrutura anatómica.
O pêndulo de obsessões inquisitoriais mudou radicalmente e, isso a redacção original da maior parte desses escritos em Latim era improvável. O conteúdo chegara directamente ao povo leigo, mais tentado às classes superiores a credulidades pseudo científicas, ainda o renascimento até meados de XVIII reserva surpresas sobre esta hipótese. O que mais chama atenção é que nem Tarragona na Idade Media nem a Suprema na Moderna condenam obra alguma de Arnaldo das muitas que tratam da escrita das intoleráveis imortalidades do clero, da queda da igreja desde a sua constantização ao principio do século IV do apocaliticismo e franciscano espiritualismo radical de arnau, do seu frontal ataque à teologia.
Essa mesma obsessão motivará a menção no Índice de “Curationum medicilium centuriae (Lyon, 1560 e 80) de Amato Lusitano. Ignorância seria pretender que a ciência espanhola se visse afectada de modo directo por estes e outros leves cortes inquisitoriais. Maior transcendência encerram os expurgos decretados em obras medias de quatro dos maiores médicos do século XVI: Huarte, Vallés, Laguna e “Doña Oliva”.
Nenhum índice proibiu nem expurgou a “Viagem à Turquia” que então não era atribuído a Laguna e que Bataillon e Abellan tinham comparado com a razão pelo erasmismo politico à dos “Diálogos” de Alfonso de Valdês. Mas bem podiam tê-lo proibido ou ao menos expurgado, segundo as circunstâncias dos tempos e sensibilidades dos qualificadores. A mesma pergunta pode-se fazer sobre “El crotalón”, de Cristóbal de Villalón, ou sobre os seus “Diálogos de las transformações de Pitágoras”.
Foi aceitável presentear o trato inquisitorial à literatura e cultura espanholas do século de Ouro, separadamente da atenção que prestou às do século XVIII e principios do XIX. Por banal que às vezes resultasse tomar as divisórias seculares como indícios de câmbios culturais, tal critério tenta classificar e homologar as mudanças sociais de um período concreto de desenvolvimento histórico. Ainda há nas últimas décadas de XVII, registos notáveis das reacções que cada ano estão a ser melhor estudadas. O acesso dos Borbons em 1700 marca um ponto fundamental que nenhuma historiografia pode desdenhar.
A aspiração a controlar a expressão livre do pensamento, tentação dos regimes absolutos de todos os tempos, ocasião propicia para realizar-se de modo visível e eficaz ao comprovar que a revolução em comunicação e troca de ideias iniciada a fins do século XV pelo aparecimento do livro impresso não alcançava só pessoas capazes de decifrar o signo escrito, senão através de massas facilmente maleáveis. A imprensa diária ou semanal tão popularizada desde meados de XVIII, logo sobrepôs a influencia cultural do livro a causa dos lentos, mas progressivos logros de alfabetização e do acesso massivo a meios baratos de informação que só em meados de XX foram por sua vez superados pelos electrónicos. É lógico que a Inquisição, continuando os seus esforços por controlar os nocivos efeitos destes meios de difusão de «novidades» actuará frente ao Jornalismo com muito mais força do que a praticada frente ao livro.
A historia da repressão da imprensa pelo já Moribundo Santo Oficio está por escrever. Parece que não há nenhum estudo especializado que mereça ser citado, sobre um tema tão importante como este. Só uma pesquisa detalhada pelas hemerotecas comprovará a motivação concreta e a eficácia de tal medida. Com ela se atraem todas as iras dos conservadores e protegidos oficiais como Forner, pela sua critica a todos os usos irracionais do governo e dos costumes.
A dupla dimensão do uso sensorio, ao serviço de uma determinada filosofia politica e da repressão de toda a critica à sua própria actuação foi determinando, por uma parte, a condenação sistemática de todas as pessoas, acto escrito e dito que se pode interpretar, claro que sempre pelo mesmo tribunal e sem apelação possível., por outro, a proibição ou ao menos o expurgo de obras de nível politico e jurídico inaceitáveis ao mesmo tribunal mas com prejuízos do mesmo tipo. Na breve revisão que o espaço permite, começaram por verdades antigas. Havia de se contar entre estas, Machiavel no Índice de Sandoval, assim como “De la republique” e outras obras de Bodin e de todo Justo Lipsio «até que se corrija».
No entanto, apesar de todo o controle, sempre correram ventos de liberdade ideológica. Apesar do entrave verificado na idade media e moderna a Inquisição acabou por ser abolida sendo vencida pelas suas próprias inseguranças e consevadorismo. Durante toda a história da humanidade se verificaram terrores de varias espécies, sempre que se aspirou o poder absoluto e este foi e sempre será, de uma forma ou de outra, a grande falha do ser humano. A aspiração pelo poder absoluto, a tentativa de controlar tudo e todos com a finalidade dos seus próprios objectivos. No entanto, tudo é cíclico e tudo se transforma. Apesar de todos os esforços, há uma coisa que ninguém consegue controlar, a mente humana. Esta sim controla-nos a todos e não há poder absoluto que a supere.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home