quinta-feira, abril 27, 2006

As tuas mãos

Continuo a espera que venhas reclamar o que te pertence. Hoje o meu corpo é povoado por mãos desconhecidas, rastilho que permaneceu provocado pela tua ausencia.
Ja não me lembro como era, quis apagar tudo e hoje quando faço por recorar, lembro-me de umas mãos desconhecidas que me incomodam... não das tuas. Não daquelas que me tocam com suavidade na alma. Estas queriam o meu corpo, nao conseguiram sentir para além dele, ou se calhar eu nunca deixei. Deixar, deixava, no fundo eu deixava, mas elas não entravam de facto.
Era feliz quando elas me tocavam e parecia que eu exigia que elas me tocassem, eu queria que elas me desejassem, me amassem, me preenchessem este vazio. Apesar de saber que as tuas possuiam a minha alma, elas nunca estavam presentes, nem conseguiam estar... continuo sem saber o que fazer. Onde estão as minhas mãos? As que tu levaste e nunca mais devolveste?

domingo, abril 09, 2006

Epístola de Tomas Morus a Pedro Egídio

(...) A maior parte das pessoas ignora as letras; muitas chegam a despreza-las. Um barbaro rejeita abruptamente tudo quanto nao e barbaro. Os semiletrados desprezam como vulgar tudo quanto nao abunda em termos absoletos, e so gostam do que e antigo. Os mais numerosos so tem prazer nas suas proprias obras. Um e tao austero que nao permite a minima brincadeira; outro e tao pouco espirituoso que nao suporta a minima ironia. Ha-os tao fechados a ironia que uma graca os leva a fugir, qual homem raivoso, quando ve agua depois de mordido por cao hidrofobo. Outros ha, caprichosos, que cessam de louvar, logo que se erguem, o que, sentados, haviam elogiado. Outros ainda tem catedras nas tabernas e decidem, entre dois copos, sobre o talento dos autores, proferido peremptorias condenacoes segundo o humor do momento, arrepanhando os escritos de um autor como que para lhe arrancar os cabelos um a um, enquanto eles se sentem tranquilamente ao abrigo das flechas, os bons apostolos, tonsurados e barbeados quais lutadores para nao deixarem nem um pelo ao adversario. Ha tambem os desgracados que acham grande prazer em ler uma obra sem o minimo reconhecimento ao autor, semelhantes aos convidados sem educacao que, generosamente tratados a farta mesa, saem saciados sem uma palavra de bem haja ao anfitriao. (...)
In 'A Utopia'

Historia de Portugal (ultra-condensada)

Tudo começou com um tal Henriques que não se dava bem com a mãe e acabou por se vingar na pandilha de mauritanos que vivia do outro lado do Tejo. Para piorar ainda mais as coisas, decidiu casar com uma espanhola qualquer e não teve muito tempo para lhe desfrutar do salero porque a tipa apanhou uma camada de peste negra e morreu. Pouco tempo depois, o fulano, que por acaso era rei, bateu também as botas e foi desta para melhor. Para a coisa não ficar completamente entregue à bicharada, apareceu um tal João que, ajudado por um amigo de longa data que era afoito para a porrada, conseguiu pôr os espanhóis a enformar pão e ainda arranjou uns trocos para comprar uns barcos ao filho que era dado aos desportos náuticos. De tal maneira que decidiu pôr os barcos a render e inaugurou o primeiro cruzeiro marítimo entre Lisboa e o Japão com escalas no Funchal, Salvador, Luanda, Maputo, Ormuz, Calecute, Malaca, Timor e Macau. Quando a coisa deu para o torto, ficou nas lonas só com um pacote de pimenta para recordação e resolveu ir afogar as mágoas, provocando a malta de Alcácer-Quibir para uma cena de estalo. Felizmente, tinha um primo, o Filipe, que não se importou de tomar conta do estaminé até chegar outro João que enriqueceu com o pilim que uma tia lhe mandava do Brasil e acabou por gastar tudo em conventos e aquedutos. Com conventos a mais e dinheiro menos, as coisas lá se iam aguentando até começar tudo a abanar numa manhã de Novembro. Muita coisa se partiu. Mas sem gravidade porque, passado pouco tempo, já estava tudo arranjado outra vez, graças a um mânfio chamado Sebastião que tinha jeito para o bricolage e não era mau tipo apesar das perucas um bocado amaricadas. Foi por essa altura que o Napoleão bateu à porta a perguntar se o Pedro podia vir brincar e o irmão mais novo, o Miguel, teve uma crise de ciúmes e tratou de armar confusão que só acabou quando levou um valente puxão de orelhas do mano que já ia a caminho do Brasil para tratar de uns negócios. A malta começou a votar mas as coisas não melhoraram grande coisa e foi por isso que um Carlos anafado levou um tiro nos coiratos quando passeava de carroça pelo Terreiro do Paço. O pessoal assustou-se com o barulho e escondeu-se num buraco na Flandres onde continuaram a ouvir tiros mas apontados a eles e disparados por alemães. Ao intervalo, já perdiam por muitos mas o desafio não chegou ao fim porque uma tipa vestida de branco apareceu a flutuar por cima de uma azinheira e três pastores deram primeiro em doidos, depois em mortos e mais tarde em beatos. Se não fosse por um velhote das Beiras, a confusão tinha continuado mas, felizmente, não continuou e Angola continuava a ser nossa mesmo que andassem para aí a espalhar boatos. Comunistas dum camandro! Tanto insistiram que o velhote se mandou do cadeirão abaixo e houve rebaldaria tamanha que foi preciso pôr um chaimite e um molho cravos em cima do assunto. Depois parece que houve um Mário qualquer que assinou um papel que nos pôs na Europa e ainda teve tempo para transformar uma lixeira numa exposição mundial e mamar duas secas da Grécia na final. E o Cavaco? O Cavaco foi com o Pai Natal e o palhaço no comboio ao circo.
FIM