O Teatro Barroco desde a história Social
A literatura espanhola desde o fim do sec. XVI até à segunda metade do sec. XVII apresenta um aspecto interessante de observação da sociedade. Não se pode ver esta literatura como "clássica" mas sim como "comédia" Barroca, imagem fiel da sociedade.
O que nós percebemos é que o teatro do sec. XVII se revela como um produto literário condicionado pela base social e esta é a questão que nos interessa. O teatro espanhol, sobretudo depois da revolução Lopesca aparece como uma manifestação de grande propaganda social, destinada a fortalecer uma sociedade repleta de interesses e valores na imagem dos homens e do mundo que os rodeia.
Ao chegar ao último quarto do sec. XVI começam a aparecer alguns locais como Madrid e Londres para levar a cabo representações teatrais. Algo que traz a influencia da antiguidade, mais uma que o humanismo traz consigo.
Não podemos pensar que no desenrolar literário à comédia correspondia a mesma influência do classicismo e que a imitação do teatro dos clássicos gregos e latinos dava lugar ao surgimento do teatro moderno. É necessário recorrer a outras razões para explicar que antes de terminar o sec. XVI, sobre as influencias classissistas e italianas, se produzia em Espanha o fenómeno da aparição dos temas da história nacional, o conteúdo épico do "romanceiro", a exaltação dos valores dos espanhóis e a variedade de situações, tempos, lugares, entre outros, que vão caracterizar a comédia espanhola. Tudo isto é impossível entender, se não tivermos em conta a função social que deriva o seu carácter.
A nível económico pode-se considerar que a Espanha está no seu auge pré-capitalista do sec. XVI, o que explica que na mentalidade dos espanhóis se valorize os modernos, algum progressismo fundado na visão da marcha da história como um avanço do presente.
Das mesmas circunstâncias e mentalidades depende o desenrolar da comédia espanhola com os seus temas actuais e nacionais. Por outro lado, esse modernismo trazia objectivos de restauração tradicional.
O teatro espanhol sem deixar de assumir uma herança culta do renascimento, postula uma preferência pelo presente. Justificando-se como uma obra dos modernos para os modernos. Nacionaliza-se e faz-se valer como nascido da natureza e gosto dos espanhóis. Isto leva a que se representem temas da actualidade. Tais são os aspectos da revolução de Lope de Vega.
Mas não são só as características que aparecem (algumas em França e Itália) respondendo a meras tendências da evolução literária. Se estas aparecem como significados sociais também aparecem com fins sociais a cumprir.
Se o teatro espanhol aparece com estas características deve-se aos objectos de propaganda que se comprometeu cumprir. Se os produtos da cultura do Barroco, não só em Espanha como em França e outros países, coincidem com algumas dessas características como por ex. a sua inclinação modernista – isto deve-se a que a cultura do barroco em todas as suas manifestações – no teatro, na pintura, como na política está condicionada pelos objectivos propagandistas que lhe são próprios.
Numa outra obra de Maravall, o autor faz observar que os escritores barrocos acudiam a técnicas de captação extra racional para imprimir nas mentes certas crenças. (Daí a utilização de emblemas e outros elementos plásticos).
Foi Aragon o 1º a utilizar a palavra propaganda para certos aspectos do barroco. Noutras ocasiões tentou falar do barroco como o sistemático emprego dessas coisas como a primeira cultura de massas.
Finalmente e de forma muito especial, no teatro – leva-se a cabo um grande esforço por controlar as opiniões e desenrolar uma ampla actividade de propaganda.
Se a comédia, bem como toda a arte barroca se esforça por fazer obra "moderna" é porque o que se pretende alcançar são os presentes, os homens cujos interesses se orientam na sua base social, a cultura barroca.
Morel disse uma vez de Lope – a quem a comédia alcança o seu maior significado – que não se podia afirmar que o seu teatro tenha sido educador do Povo. Certamente, não o educou, mas contribuiu para o moderar. Não realizou um trabalho educativo, desenvolvendo-o intelectualmente e moralmente, mas contribuiu exercendo sobre ele uma enérgica atracção.
O teatro espanhol tem pouco valor pedagógico, à diferença do francês e, a comédia carece de exemplaridade. Os que na época contemplaram o teatro do ponto de vista ético perderam a sua função e faziam espectáculos censuráveis.
As representações do teatro francês e Italiano até 1600 são dirigidas a um público escolar e culto, na linha do humanismo académico e classicista. As do teatro espanhol, por outro lado, dirigiam-se a massas que formam a opinião pública nas sociedades e nos sistemas tradicionais de crenças.
Ortega, ao cair como tantos outros escritores na tentação de comparar o teatro francês ao espanhol, advertia que aquela era uma arte de aristocracias e esta, uma arte popular. De tal forma que o primeiro procura fazer-nos apreciar os perfis psicológicos de figuras exemplares e o segundo tende a sacudir emotivamente uma massa sem distinção.
No entanto, não se pode dizer que o teatro espanhol seja uma arte popular, mas que se destina ao povo, apesar de não ser uma arte feita pelo povo e muito menos uma arte que se orienta pelos interesses dos mesmos. O teatro espanhol impõe a pressão de um sistema de poder e consequentemente uma estratificação e hierarquia de grupos, sobre um povo que, em virtude do desenvolvimento da sua vida durante secs. Anteriores, saía dos quadros tradicionais da ordem social ou pelo menos parecia amenizar seriamente com eles.
No sec. XV e começo de XVI dá-se uma fase de dispersão, fase que termina na segunda metade do sec. XVI com uma reacção que tende à formação de novas concentrações.
Nas cortes de XVI aparecem queixas devido a comportamentos anti tradicionais de classes populares, desde jornaleiros a mercadores - o mau estar frente à sociedade espanhola que empurra tantos emigrantes para a América. As casas de testemunhos acham importante que se remedeie essa situação social com novos afortunados e poderosos.
Aparecem então grupos urbanos contra este movimento de concentração, que significa mais do que se supunha no sec. XVI. Sente-se então a necessidade de superar esta tenção, em benefício dos proprietários, isto é, da monarquia absoluta. A esta circunstância vem ligada a comédia barroca.
Sendo o teatro espanhol um instrumento político e social, não corresponde a uma ética e são poucas as vezes que se ocupa de temas religiosos.
A igreja interessou-se também por esta arma de polémica e propaganda – teatro – e há um teatro religioso, de seu nome – autos – alguns deles comédias religiosas.
Lope ocupa-se em muitas das suas obras de paixões humanas, de choques sociais, problemas do mundo e só de vez em quando, em pequenas proporções, de temas religiosos, incluindo hagiografias, muitas delas puramente políticas.
Em França, Corneille e Molière, qualquer que sejam as suas diferenças a respeito da concepção de uma ética social e pessoal, são moralistas. Os espanhóis não, não por falta de interesse moral, como por ex. tantos escritores jesuítas, mas porque o teatro se orientava por outros aspectos da vida comum.
È curioso advertir a ausência de sátira no teatro – justamente no âmbito da literatura que se produz casos como "El de Quevado". Sátira social que Molière cultiva precisamente a falta na comédia, que nos oferece mais do que algumas burlas sem pretensão a sátira nenhuma.
No caso de Ruiz de Alcarón que alguns acreditam ver carregado de moralidade e política, todo o conteúdo da sua obra é inócuo, tópico e generalista de forma a não se comprometerem nenhuma crítica significativa.
Os espanhóis implantaram o teatro, um instrumento popular eficaz para socializar um sistema de convenções sobre o qual se estimou que havia de estar apoiada a ordem vigente social do País, ordem que havia de conservar um conteúdo ético.
Os que escrevem para o teatro e consequentemente para o povo não fazem questão deste último, porque para eles a autoridade política, sustentada pela autoridade eclesiástica – a realeza e a inquisição – garantia a validez moral desse sistema de convenções e mantém a sua vigência sobre a sociedade.
Talvez por ausência de dimensão ética, pode-se dizer, referindo-se a Lope, que na sua obra há situações dramáticas, mas não há drama íntimo.
Claro que ao percorrer esse território, o teatro espanhol aproximava-se da sua raiz «antiga» ou «clássica», muito mais do que se propunha. Classicamente, o próprio da tragédia dado que tal também é o fim da vida. Por suas características os homens são de tal forma, mas nas suas acções são venturosos ou desgraçados e aí está a matéria dramática.
O teatro espanhol faz questão dos comportamentos e acções dos homens e dos grupos, mostrando que de uma maneira ou de outra, podem alcançar ou não a felicidade, conforme a sua inserção no sistema social onde as possibilidades de felicidade estão garantidas pelo respeito recíproco.
O teatro e a política andaram sempre muito próximos. Desce aí que escritores conhecidos como Aristóteles e Rousseau, Brecht e Sartre, se ocuparam dele, escrevendo sobre o tema.
Em Espanha, abrindo a época a que nos referimos, recordamos Juan de Mariana e quantos participaram na polémica que se implantou desde os finais do sec. XVI, sobre a honestidade das representações teatrais. Apesar de que quem se opôs a elas foi gente de relevo. O teatro seguiu sendo fomentado e sim, em 1646 chega a predominar a corrente adversa e acabam-se os espectáculos teatrais. Muito pouco tempo depois voltam a tolerar-se, desde 1651. De novo as comédias são autorizadas e propagadas, coincidindo com a fase da derrota dos 30 anos e com todo o mau estar social consequente dessas crises.
Esta rectificação desde 1651 parece muito significativa: revela a eficácia da propaganda político-social que se atribuía à comédia pelas mais altas autoridades. Cremos que com o teatro não se pretendia só distrair o público mas sim de fortalecer a ideologia colectiva e fortalecer o estabelecimento do sistema de distribuição dos poderes sociais que se deve considerar amenizado. Posto isto, acudiam-se ao teatro como instrumento de acção entre as massas, função que havia encontrado o seu auge desde a crise de 1600.
Quando se fala de carácter nacional que o teatro espanhol ofereceu, há que referir a comédia, pelas suas características barrocas, um meio de influências nas suas atitudes.
Já fizemos alusão ao barroco como cultura de massas, onde pela primeira vez se apresentam problemas de comunicação massiva. O teatro da época corresponde então a estas características.
Existe no teatro barroco espanhol um fundo comunitário que se manifesta em forma de sentimento pro nacional. Daí elogiar um escritor como Pérez Galdoz, de um nacionalismo democrático, na linha de Renan. Galdoz defendia que o teatro lopesco pinta "Las grandes conmociones de alma" e " Los más visibles caracteres de la sociedad" porque acima de tudo há uma inspiração nacional. Nas suas obras vive um povo com seus heróis.
Mais recentemente, Azorín insistiu que o teatro «clássico» nos dá a fiel estampa da sociedade espanhola do seu tempo. Ou melhor, a imagem que a monarquia se esforçava por conservar nas mentes do povo para evitar críticas.
A comédia dá-nos um conjunto de mitos nos quais se apoia a realidade.
Numa recente obra sobre a matéria, Aubrum considera que o teatro espanhol tem um carácter comunitário que nele se funde o público, actores e autor na adesão a uma ideologia ou a uma mitologia activa. A comedia, formulando para os seus espectadores que contribui a difundir as gentes e apela aos seus sentidos e instrumentos, arrasta-os a aderir às soluções mais conservadoras dos problemas que são sempre sociais e colectivos. Em primeiro as tenções entre a autoridade e rebeldia, que se resolvem sempre a favor da primeira como justiça harmonizante.
Não se quer jamais pôr em questão os fundamentos de ordem social. Com a comédia vem-se a conseguir que, acudindo ao teatro a multidão espanhola esperava encontrar-se nela uma prova de validez do seu sistema social de valores e chegasse a crer que podia reconhecer na comédia uma justificação do seu modo de vida.
O autor considera que esta ideologia conservadora da comédia espanhola esforça-se por conter nas suas linhas tradicionais, a sociedade senhorial e monárquica, numa nova fase de reacção, ou seja, a fase de "montée seigneuriale" de que fala Braudel e se contempla por toda Europa em meados do sec. XVII. O êxito económico e social – como desenvolvimento intelectual – que o sec. XVI conheceu em Espanha, liquidou-se com a "reacção dos elementos da sociedade estática" que desde as últimas décadas de tal centúria se está produzindo entre nós, para alcançar toda a sua força desde 1600 até à segunda metade do sec. XVIII.
A comédia espanhola, como acima foi referido, representa conflitos sociais e não problemas psicológicos. Não se percebe como um violento conflito social não influencia investigações psicanalíticas, ao nosso teatro, já tentadas por Constandse, cremos que podem ser fecundas e não se pode negar um conteúdo psicológico na matéria. A nós interessa-nos o aspecto social.
Pretendia-se restabelecer a estratificação e para tal o teatro é utilizado como instrumento de propaganda.
A desordem da vida moral que se observa na sociedade madrilena de XVII são a consequência e prova de tal tenções. No teatro aparecem testemunhos desse estado, ao ponto que os mesmos contribuem para uma matéria dramática dos nossos escritores barrocos.
Conflitos de amor, de honra, de obediência filial, de submissão, até de rebeldia contra o rei – tenções que se ensaiaram com interpretações freudianas.
A parte que na comédia corresponde ao amor é visto como uma causa de choque social: O amor proporciona facilmente exemplos de conflito entre o indivíduo e as forças sociais dominantes e alienadoras.
A comédia tem um amplo campo sobre o que pretende reportar, dá-nos uma versão ampla da sociedade. Lope considerava que uma das manifestações de superioridade da comédia nova espanhola radicava na variada população de personagens de diferente papel e posição. Se fizermos uma lista de profissões e tipos sociais mencionados nas peças de XVII, tínhamos um repertório quase total das modalidades de trabalho na sociedade da época.
Nesta erupção do mundo social nas suas cenas, huszar comparava este aspecto com a medida e voluntária redução de tipos sociais no teatro de Molière, seguindo Jules Lemaitre, se perguntava onde estão na obra dele o financeiro, o juiz, o magistrado, o advogado, entre outros.
A comédia barroca espanhola abrange todas as classes e não estava capacitada para nos dar uma versão universalmente válida do humano.
Chamo à atenção para que apesar da grande variedade de ocupações na "Arte nueva de hacer comedia" que Lope escreveu como perspectiva do novo teatro, não se encontram apenas determinações que definem por si só as personagens e que devem traduzir-se de diferentes modos de ser estes tratados pela arte dramática.
Temos de ter em conta que nas circunstâncias da nova época, não se trata de aniquilar as energias sociais que haviam despertado, mas convertê-las em defesa de um sistema de interesses contrário, requeriam o engenhoso jogo do dramaturgo.
No entanto, poucos anos antes da revolução lopesca tinha Lopez Pinciano o critério tradicional de ordenação social no teatro:
La tragedia es una acción representativa, lamentable, de personas ilustres...; la comedia es una acción representativa, alegre y regocijada, entre personas comunes.
Mas Lope partiria da referência a essa tradição para nega-la. Antes a comedia tratava:
Las acciones humildes y plebeyas
Y la tragedia las reales y altas,
Mas agora não pode ser assim. Huszar observou que a tragicomédia era um género livre por estar isento de regulamentação nas perspectivas clássicas. Isto faz-nos pensar que resultava melhor adaptar as convenções do verdadeiro programa de acção social que pretendia o teatro.
Em relação a ele, o aspecto mais marcante de inovação de Lope consiste em introduzir o povo na cena, trazendo os valores da capa superior e atraindo nesse sentido a defesa dos mesmos.
Essa possível participação em valores superiores por parte do individuo de classes baixas afirma-se e nega-se, contraditoriamente, nos versos da comédia barroca, revelando assim um carácter conflituoso.
Na "la moza de cântaro", se lope faz declarar ao namorado que nada pode resistir ao amor, que este não repara em desigualdades, não deixa de nos fazer descobrir um interno conflito dentro do peito ao considerarmos a beleza da pessoa em que pôs seu amor...
Sin en esta mujer
No esta oculta la nobleza,
la calida y la sangre
que por lo exterior se muestra
qué es lo que quiso, sin causa,
hacer la naturaleza?
A comédia nova ou espanhola introduz ofícios e mecanismos e chega a apresentar a filha de um guerreiro como sujeito capaz de amar:
...meszclamos la sentencia trágica
a la humildad de la bajeza cómica.
Com o qual se dá um transplante de um sentimento aristocrático, como é o amor.
Creio que o termo "tragicomédia" que adoptam tantas produções de teatro espanhol dá expressão a essa mescla que Lope reconhecia.
Hatzfeld falou do descobrimento pelos escritores barrocos no interesse que a gente que trabalha pode oferecer e do valor artístico, citando obras de Cervantes e de Velásquez. Vemos que o que antecede ao teatro revela a mesma novidade. Da mesma maneira na comédia todos aparecem nesse grande drama de manter a ordem social que em cena acaba sendo sempre o grande e único argumento que se representa.
A grande contradição interna que dá sentido dramático à nossa comédia está em que, partindo de reconhecer a libertação das forças e dos valores do indivíduo, constringe a subordinar-se a uma ordem, só dentro do qual poderão manter-se valores que de contrário, a possessão dos mesmos tinha de ser negada pelos princípios.
Se até aqui as diferença eram aceitadas, agora o autor tem de analisar o indivíduo individualmente em relação à sociedade. Isto revela-nos que a restauração tradicional era problemática e requeria eficazes instrumentos de consolidação como era o teatro.
Era necessário mostrar em cena que as diferenças apareciam de origem natural e delas resultava a ordem da harmonia, com elas era mantido o bem de cada grupo e dos indivíduos.
Os altos e os baixos dos indivíduos são o grande tema da comédia, como da grande literatura que se encarrega de comentar os problemas de estratificação da época.
A comédia quer apresentar ao seu mesclado público um panorama de oportunidades de promoção que se oferece a todos por igual:
-Pienso que te desvaneces
con lo que intentas subir.
-Tristán, cuantos han nacido
su ventura han de tener.
(Lope, "El perro del hortelano)
Também a novela picaresca responde a estas questões. A novela picaresca guarda os tristes testemunhos contra uma sociedade cerrada, devido àquelas consciências que por menos foram capazes de viver o drama do hermetismo. O desejo de melhorar existiu sempre mas socialmente adquire um desenvolvimento inusitado com as crises individualistas do renascimento, unido à crescente consciência da diversidade de inclinações pessoais.
"Addelantarse", "subir a más", são a manifestação social da situação problemática que contempla o teatro. Na picaresca apresenta-se o desfavorável ou de condição duvidosa a que se chama "medrar". O teatro pelo contrário mostra aspectos favoráveis. Nele se exemplificam casos como o de uma infanta, ou de " El perro del hortelano", onde o criado de uma condessa atrai o seu amor e se casa com esta. Ou mesmo o de " La moza de cântaro", onde um cavaleiro se dispõe a casar com uma criada, ou ainda " La gallega Mari Hernández", de uma aldeia que se casa com um nobre. Trata-se de alguns exs. de um movimento igualador.
Segundo palavras de N. Salomon, "un inmovilismo conservador respetuoso de las distinciones de classes". Põe ele requerer-se que a pretensão de ascensão social se produza "com cuerto arbítrio", segundo disse a personagem calderoniano de "El alcalde de Zalamea".
As personagens que aparecem como exemplos da mais meritória moral social são os que se conformam com o seu estado, procurando só as perfeições possíveis em cada um deles.
Essa doutrina inspira as palavras de "La moza de cântaro":
No estoy contenta de estar
Donde, con hacer mudanza
Del hábito, mi esperanza
Aspire a mejor lugar.
Na sociedade do sec. XVII há que predicar estes princípios mostrando os casos de fortuna, legitimando-se a promoção de um indivíduo cujo primeiro valor será precisamente no aspirar a ser mais (ao que a novela picaresca chama medrar).
Para continuar a socializar uma atitude de apoio à sociedade tradicional, de hierarquização aristocrática, a qual é uma sociedade agrária, a comédia fixa-se em casos do mundo rural. Daí que o tema do camponês ocupe tanta parte na produção teatral de Lope e dos escritores seus contemporâneos e, também que neles alcance um valor tão representativo no tema do lavrador.
O grande desenvolvimento do tema rural por parte do teatro mais do que interesses económicos tinha interesses por causas sociais de apoio à sociedade monárquico senhorial. Muito menos se trata de um movimento libertador do camponês – tal como algumas sacudidas europeias com algum eco, dadas as germanas e as comunidades revoltas andaluzas do sec. XVII.
A nosso parecer busca-se incorporar o camponês e posteriormente outros como o mercador, fazem compreender a todos o interesse e a força de contenção do sistema que o camponês pode acatar.
Também o lavrador que vive no campo rodeado pelos seus e com grande fazenda se declara feliz na obra de Rojas Zorilla, "del rey abajo, ninguno".
A personagem de Rojas aceita o sistema de que seja o posto social a base da ordenação dos grupos e dos indivíduos. Por ex. o lavrador honrado que se vê distinguido pelo livre arbítrio do rei:
Y es bien que le dé a un villano
El lugar que otro merezca?
Trata-se de conseguir que os lavradores representem no teatro barroco, oferecendo-lhes uma compensação pela sua felicidade. Tratemos de perceber este jogo duplo.
Estamos perante uma época conhecedora da importância da opinião pública, que sente necessidade de atrair massas. A propaganda de valores da sociedade monárquico-senhorial, que o teatro leva a cabo orienta-se a pôr manifesto que individualmente podem ter também os que não são membros da classe aristocrática equiparar-se e até ascender.
É o problema suscitado pela necessidade de incorporação dos "homini novi", que toda essa sociedade cerrada sente o que constituiu a fundamental temática do teatro do sec. XVII. A ascensão vem a reconhecer-se no teatro barroco porque nele se disse desses casos como os mais abundantes, o qual viria a ser uma constatação da sua reiteração até convertê-la em questionável.
Alguns valores da sociedade cavaleiresca monopolizados pelos nobres são atribuídos e agora se abrem a uma manifestação de outros grupos. Por ex. o amor. Segundo a concepção cavaleiresca, o amor é parte do património dos distinguidos, aos outros cabe apenas uma atracção social.
A excepção do amor pastoril, na novela deste genero é um elemento de evasão, um pouco estravagante, dentro do mundo Aristocrático.
No sec. XVI a doutrina do amor havia-se encaixado, mas em meados de 1600 quando o pensamento social leva a cabo uma transformação na concepção do amor, conforme o sentido da participação de bens superiores da soc. Nobiliária que se desenrola na época. Produz-se uma considerável ampliação do que se chama «derecho al amor» - o amor é próprio de todos e não só dos senhores, que afecta por sinal a altos e baixos. Diz-se em "El perro del hortelano". De outro lado, dos que chamamos «derechos del amor» - o amor pode relacionar pessoas de classes diferentes:
Ninguno amando ofendió
Por humilde que naciese.
(Lope, "los prados de léon)
Em classes diferentes amor é impróprio e anti-natural. Também este ponto a comédia apresenta contraditoriamente, o critério de igualdade e opõe-se ao respeito pelas diferenças.
Frente à antiga sujeição do amor aos limites estritos comportamentais dos estratos, a grande revolução do teatro de XVII está em reconhecer a liberdade daquele que ultrapassa as barreiras sociais. Concebe-se em segurança, segundo a divertida aventura de "la moza de cântaro", o amor como uma inclinação natural, que não repara em barreiras.
Estes são casos de amor pré-romantico que se vêm no teatro. Por isso, a comédia se serve deles. Diriasse que os autores barrocos chegaram a conhecer certos resultados do estado dos câmbios sociais na actualidade sociológica. De acordo com ela dão por descontado que entre o sentimento sobre honra e dever, por parte de grupos diferenciados na estratificação social.
A transformação social do sentimento do amor havia de ter seu ponto mais marcante no campo da honra.
Que amor e honor tengo yo,
Disse o lavrador que Velez de Guevara nos apresenta em "la luna de la sierra". A ampliação social do valor nobiliário que significa a honra e a manifestação mais clara da participação nas virtudes e valores da sociedade Aristocrática, que o teatro de XVII propõe a alguns novos grupos sociais.
A literatura da época também de interessa pelo tema da honra e desenvolve perante os espectadores seu amplo panorama de questões e conflitos de honra.
O que se chama à atenção no teatro espanhol é a parte em que a sua massiva produção concede contra a lei da honra, vista como instituição social. Referimo-nos também a "también la afrenta es veneno", que Rojas, Vélez de Guevara e Copello escreveram em colaboração. Nessas personagens chama-se à atenção contra tamanho convencionalismo:
Oh leyes instituídas
Contra la naturaleza!
O teatro espanhol oferece a vida real da sociedade, proporcionava casos de relação contra esse sistema.
A comédia não desperdiçou a ocasião de revelar o que na honra há de heterónimo, desde o ponto de vista dos sentimentos pessoais.
A comédia fez um jogo duplo: Põe claro o que há de problemático, para realçar o lado dramático e serve-se da força psicológica que por essa condição oferece o princípio da honra.
No fim de se deixar de lado as dúvidas e as dificuldade que a aceitação deste sistema causou, desenrolou-se uma ideia de Lope e Calderón que se converte em lugar comum do teatro. Refere-se à frase: "la vida es sueño". Também isto teria de ser interpretado num contexto social."la vida és sueño é um pensamento que se refere à existência colectiva. O papel de cada um na sociedade é sonho, ficção, teatro. Um sonho a sua representação, o seu papel na sociedade.
O rei sonha que é o rei, o rico sonha que é rico, e o pobre que é pobre - mas que vai ascender.
Talvez a acentuação do estado crítico da sociedade espanhola do sec. XVII levasse a que na fase de El calderón se reconhecesse ao emprego da imagem do sonho. Para calderón a sociedade é o reino da aparência, o teatro da ficção, do sonho. Quando assistimos no mundo a injustiças não nos devemos comover porque só assistimos a uma representação provisória:
Y en el teatro del mundo
Todos son representantes.
Em consequência Calderón chega a uma forma de compromisso e de insuportável imobilismo:
Fingimos lo que no somos,
Saemos lo que fingimos.
Toda a temática do desengano no barroco está orientada e fazia essa mesma finalidade paralizadora.
O sonho da vida é a formula mais conservadora que pode inventar a mentalidade barroca espanhola ao serviço das suas pretensões imobilizadoras. Desta forma, a nova comédia contribuiu para manter o sistema de estratificação social.
No teatro, não só de Lope, se produziam protestos contra as diferenças sociais e isto, que se passava no teatro era o que se pretendia que se passasse na sociedade e o que de facto aconteceu em grande parte dela.
Cabe pensar que em Espanha onde os protestos se faziam em áreas como a Andaluzia, Catalunha, Valência, Aragon, os resultados de imobilização foram resultado do êxito do público ou melhor do colectivo da comédia. Cada um aceita o seu posto e é feliz, pelo menos dá a entender o teatro.
A igualdade fundamentalmente dos homens – doutrina reforçada em Trento, essencial à dogmática da comédia, desde Lope a Calderón viu-se apoiada em sentimentos individualistas e de liberdade, vindo a opor-se a estes. Esta doutrina leva a conformar-se de tal igualdade de natureza, sem pensar em combater as diferenças sociais.
A comédia tem interesse em demonstrar a tenção dos lavradores ricos e isto leva-nos a uma última questão.
Por trás da estrutura social de carácter tradicional inicia-se uma mudança que mais tarde será decisiva na evolução da sociedade moderna. Apesar de na comédia predominar uma variedade geral também na produção dos nossos escritores para o teatro oferecem-nos o fenómeno da divisão entre ricos e pobres.
Disse-se que o dinheiro tinha pouca importância para a comédia barroca, no entanto, não podemos concordar. A economia monetária tem uma presença escassa no teatro, provavelmente porque se vem a rejeitar a situação provocada pelas dificuldades da economia financeira da Espanha aproximadamente depois de 1600.
Por outro lado, na novela, o nobre e o fidalgo e no teatro mantêm-se a tradicional comparação entre nobreza e riqueza.
Na comédia de costumes encontra-se até acusações contra uma juventude de que se disse que, como pretende casamento só procura riqueza. Em todo teatro de XVII há frequentes ref. Às divisões sociais em forma bipartida e nelas sempre se adverte uma referência económico-politica: nobres e vilãos, senhores e criados, ociosos e trabalhadores, distinguidos e não distinguidos, enfim, os que têm e os que não têm.
A comédia barroca conserva os velhos critérios mantendo o prestígio dos grupos privilegiados:
El ser grandes o pequeños,
El servir o ser servido,
En más o menos riqueza
Consiste sin duda alguna,
Y es distancia de fortuna
Que no de naturaleza.
Estas palavras denunciam um critério que era o contrário do que se pretendia fazer crer a todos com a difusão das imagens da "comédia nueva". Esta representava uma grande campanha propagandista a favor de um mundo social estratificado segundo os critérios tradicionais e de acordo com isto se impunha reconhecer as distâncias sociais que não eram acidentais.
Desde este ponto de vista, pois o teatro constituído ao serviço de uma ordem senhorial, as diferenças na sociedade não eram acidentais, logo, não eram externas ao verdadeiro mérito das pessoas.
A julgar pelos poucos protestos que se podem assinalar contra esta maneira de ver durante muitas gerações, não há dúvida que a campanha teatral, desencadeada no sec. XVII conseguiu o seu propósito e o seu apogeu sobre muitas gerações, como um eficaz meio de estancamento da sociedade espanhola.
Naturalmente, sobre o teatro espanhol do sec. XVII são possíveis outras análises de diferentes pontos de vista. Não queremos mais do que tentar ver que a sua interpretação de base histórico-social nos ajudava a aclarar aspectos que até agora nos pareciam confusos e nos resultava insatisfatória a sua consideração habitual.
A Literatura de emblemas no contexto da sociedade barroca
Na mesma época em que o teatro assume um papel relevante como arte dirigida à obtenção de objectivos sociais claramente definidos, ao mesmo tempo se desenrola um género literário característico do barroco e muito ligado ao programa de acção social próprio da cultura europeia do sec. XVII: A literatura de emblemas – tão difundida na Europa das monarquias absolutas.
Entre o barroco e o emblema há um estreito parentesco. Não deixa de ser sintomático o abundante material emblemático que aparece na produção teatral de Shakespeare. No entanto, o tema foi também explorado por Lope de Vega. Pode-se dizer que uma investigação a fundo sobre o tema tinha de se ocupar das referências às comédias, a emblemas que no tempo de Lope circulavam. Todos estes aspectos são mais abundantes no teatro de El Calderón.
A literatura emblemática faz-nos compreender a consideração deste tema e pode-nos ajudar a penetrar na situação histórico-cultural do nosso teatro barroco.
O historiador de arte F. Chueca que se interessa muito pelo barroco não vai acompanhar nenhum caso com inclinação a copiar formas especificas dessa arte. Ele prova que não se trata duma moda artística mas sim, temos de ter em conta uma relação com as situações históricas do sec. XVII. Explica-se o interesse da literatura de emblemas numa época como a nossa onde a sua importância adquiriu na vida das colectividades o uso do slogan publicitário, com apelos a técnicas psicológicas capazes de chamar a atenção. Deles se servirão amplos movimentos de opinião como partidos políticos, grupos económicos e religiosos, entre outros. A foice e o martelo do partido comunista são um autêntico emblema.
Os emblemas podem ser divididos em dois grupos: Os de carácter meramente alusivos e os outros com valor significativo, que são os que nos interessam na literatura.
Desde que apareceu a primeira obra desta classe, os "Emblemata", do italiano Alciato, em 1541, produz-se em toda Europa uma grande quantidade de obras onde se transmite o repertório de emblemas utilizados, o que demonstra as circunstâncias sociais.
Os escritores emblemáticos têm uma especial predilecção por «la literatura de fábulas, en la que vem unos ejemplos libremente preparados para la perfecta y educada expressión de la doctrina".
Observemos agora que no emblema se representam exemplos fingidos, apólogos, que sucedem entre animais e coisas e, nos que o homem entra é só como uma criatura mais do que a natureza. Orozco proibia que se pintasse o homem nas empresas.
Com os meios de que o barroco também se serve pelos fins que persegue, havia de se introduzir novidades. Nesta matéria da literatura de emblemas, como no teatro, encontramos o mesmo programa social, enquanto tratamos de chegar até estes com a nossa investigação.
O que Calderón praticará será a mais sistemática aplicação de elementos sensíveis para a formação doutrinal do público. Calderón cultivou o emblema apartando-se da tradição medieval. Em XVI onde se podia experimentar a força do factor plástico era no teatro. Daí ao auge do teatro no Barroco.
Para a mentalidade barroca, os meios sensíveis de carácter visual têm muito mais força que nenhuns outros. Em primeiro lugar porque o que se vê nos parece coisa insuperavelmente comprovada. Lope disse:
...en llegado
a la prueba de los ojos
como puede haber engaño?
Ainda que o escritor barroco goste de pôr e manifeste o «engaño a los ojos» que o mundo tem a cada paço e ainda que seja motivo de particular virtuosismo para o artista barroco a técnica de "trompe-l'oeil" o certo é que o homem do sec. XVII põe em vista a sua maior confiança.
O emblema deu à obra literária a possibilidade da sua parte óptica, ao modo da pintura. O homem da cultura barroca comprova que para a comunicação ao nível da imagem parece mais eficaz que a nível intelectual do conceito. A isto responde em linguagem da época o sentido de «mover» que os aspectos plásticos da literatura emblemática, como a representação teatral, como a pintura, lhe reconhecem: esses meios visuais, assegura Saavedra, "le informan, le mueven o arrebatan".
O emblema era dirigido a grupos cultos – que constituíam uma massa em XVII, os quais conhecem e lhes são habituais os motivos bíblicos, mitológicos, históricos que se manifestam nessa classe de escritos.
Carvallo deixou-nos o testemunho mais interessante para fazermos compreender o alcance social da questão:
De ver las cosas muy claras se engendra cierto fastidio con que se viene a perder la atención, y así se legrá un estudiante cuatro hojas de un libro que, por ser claro y de cosas ordinarias, no atiende a lo que lee. Mas si es dificultoso y extraordinario su estilo, esto propio lo incita a que trabaje por entendello, que naturalmente somos inclinados a entender y saber, y un contrario con otro se esfuerza, ANSI con la dificultad crece el apetito de saber.
Relações de dependência e integração social. Criados, graciosos e pícaros.
A literatura, superlativamente ao teatro barroco e à novela barroca, não é só o retracta mas sim o testemunho onde se reflecte um estado de espírito da sociedade.
A relação com os criados pertence aos aspectos mais significativos da história da mentalidade social. È um factor de mudança da mesma. Diz-nos como é visto todo um complexo de vida conjunta e faz-nos compreender uma parte do reportório de figuras.
Ao difundir em múltiplas criações de um género como o teatro ou outro como a novela, essas imagens ideologicamente elaboradas, cabe-nos perguntar: trata-se de generalizar e socializar esses tipos humanos? Tratava-se de manifestar e ser contra a classe ou grupo dominante? Alguns desses tipos serviram-se dele para fazer explicito o insustentável regime em que essa sociedade do sec barroco se apoiava.
È no sec XVII que se produz a maior transformação «thesoro» de s. Covarrubias (1611) que dirá: criado é o que serve o amo e este o mantém e dá de comer.
Fazendo ref. A comédias; a primeira, "obras son amores" o gracioso ri da sua inconfessável e baixa origem. Na segunda, uma princesa oferece-se ao lacaio enobrecendo-o com a condição de que a ajude a alcançar seus amores.
Por ex. Francisco de Rojas em "del rey abajo":
…decís verdad,
que soy antiguo, aunque no rio,
pues vengo de un villancio
del dia de navidad
A origem dos criados tinha sido outra e o seu papel que se reflectia na comédia espanhola de XVII. Daí que apesar das alterações experimentadas, se ouçam ecos que procedem a comédia latina ou da literatura de "espejos morales" do medieval.
A literatura política e moral da época discutiu o caso de que se era possível a amizade entre os socialmente desiguais e concluiu que não, dados seus cerrados supostos hierárquicos.
Deixemos o tema criado para nos ocuparmos do termo trabalho. Derivado da palavra latina "tripallium" (nome duma espécie de castigo) leva consigo uma conotação de sofrimento. O trabalho era destinado a quem tem por função trabalhar o campo.
No sec XVI inicia-se uma transformação profunda em duplo sentido. Um deles vai desde os que aplicam o seu esforço às artes e aos ofícios mecânicos, socialmente desqualificados mas obtêm recursos económicos.
Os pintores dos fins do sec XVI e princípios de XVII pretendem ser reconhecidos como membros de um grupo social distinguido. Atendendo à desfavorável situação económica da península como objectivo de reanimar a produção, uma série de economistas, entre outros escritores pretendiam incitar o trabalho e pedem que se favoreça os ofícios mecânicos.
A literatura recorre à regulamentação vigente da sociedade, às limitações que estavam nos modelos clássicos.
Ao chegar ao sec. XVIII também noutros aspectos de descriminação de estratos sociais se foram extinguindo pouco a pouco, outra coisa que foi aparecendo, a polémica em torno da supressão e debilitação mantendo a posição de defensores do regime social da taxa de desonra legal contra os ofícios.
È curioso porque daqui veio a resultar mais partidários de manter a descriminação de desonra sobre os trabalhos mecânicos.
Se até aqui a figura do criado e do trabalhador se tinham transformado, também agora se modificava a figura do senhor.
A superioridade tinha objectivamente como pretendido a dedicação à vida militar, mas através de um processo que no sec. XVI está muito avançado e no XVII em fase de desenvolvimento, A guerra alojou-se no quotidiano da existência.
A economia senhorial rege-se pelo gosto da ostentação. È assim a vida social dos senhores do sec. XV. As condições permitiam mostrar publicamente uma imensa riqueza. Todo aquele que pretendesse ser reconhecido como possuidor de grande poder económico e todo aquele que tenha a sua disposição um grande número de pessoas e as sustenta é reconhecido.
O teatro de Lope repete de vez em quando os transtornadores efeitos da aspiração de subir a estratos sociais superiores: nada destrói mais as repúblicas que os desequilíbrios de estados declaram em "los tellos de Meneses".
Recordemos que no teatro de XVII se encontram referencias tais como consta na comédia "los mártires de Madrid": tudo se dá hoje "a precio de dinero".
Lope disse (no seu teatro): Os criados são gente de pouco preço, até que morrem "uns de fome e otros de esperanza e no pocos de dívidas", em "el perro del hortelano, III. Ou como dizia Gaspar de Aguilar em "la fuerza del interés",
Porque el que criado es,
es un hombre que se cría
Para enemigo después.
Por outro lado, uma grande parte dos assistentes dos espectáculos de comédia pertencia ao mundo dos criados. Lope conhece bem a inquietude que o estado de ânimo popular desperta e sabe também de los íntimos dissabores que tem que suportar aquele que serve outro, odiado pelo senhor e pelos que o rodeiam, todos movidos de uns e outros motivos de aproveitamento:
La barbara naturaleza del servicio
Que Lope denuncia em «la desdicha por la honra». Chega a introduzir este diálogo entre duas personagens revelando uma humilhação que se tem em serviço:
-Mal estás con el servir.
Pues ?no quieres que este mal?
Para encarar educadamente esta situação, dando-lhe um lado positivo, Lope tem uma das suas geniais ideias: A invenção do «gracioso». Esta novidade literária terá ressonâncias de muitos tipos.
O gracioso tem um parentesco com o bobo. Ambos pertencem às formas trivializadas ou pelo menos domesticadas da loucura.
Nesta obra que se abre ao Renascimento e onde se descobre o valor do riso inventa-se outro tipo de personagem, cujo seu desenvolvimento se alcançará quando chegar o período restritivo do barroco. Refiro-me ao «pícaro». Esta personagem ri da vingança, do engano, da crueldade, do mal, da dor que a outros produziu e faz do riso um instrumento desintegrador. Também é um fenómeno social, mas duma forma revertida por ser anti-social.
Teatro, festa e ideologia no barroco
Professor José Maria Díez Borque
Com um ritmo de avanços e retrocessos, a mancha fazia o estabelecimento da literatura do pensamento e da liberdade de expressão do pensamento, dentro das várias linhas em que esta se diversifica, há uma, a liberdade de expressão no teatro, que recebe, até nos regimes políticos mais favoráveis às liberdades individuais, uma regulamentação individual.
A este vem ligado outro aspecto. O teatro, pelas peculiares reduções a que somente a distância vital entre os espectadores e pelo forte impacto que a representação cénica pode produzir e produz sobre a imaginação e os sentimentos de quantos a ela assistem, dá lugar a que a expressão do pensamento cubra em sua versão teatral uma eficácia maior, por exemplo o impresso. Talvez por esta razão, John Milton, na sua "Aeropagítica" se refere à liberdade de imprimir e deixou fora, sem mencionar, a de representar ao vivo num cenário, desde o qual se emitem umas e outras ideias e com muitas forças diferentes.
No teatro cada espectador se mantém isolado dos outros, mas também é certo que em dado momento se pode dar lugar, e assim foi feito, a um fenómeno de contágio que facilita a adesão de esses indivíduos a uma ou outra manifestação ideológica. Isto se dá com mais frequência em situações de fortes crises, altura que o teatro adquire uma potência de transmissão grande.
A eficácia de uma história narrada de um modo singularizado foi reconhecida. Mas posta numa representação virtual, adquiria umas possibilidades de penetração e de assimilação pelo público que as contemplava. "Tímpanos, archivoltas, capiteles se llenaron de imagenes sensibles de «histórias» o «anedotas» o «parábolas», que pasaron despues a vidreras o a libros miniados com una nueva intencion".
A pintura e o desenho, com a difusão e perfeccionismo da imprensa, a gravura que reproduz as suas obras e as possibilidades de emprego de meios visuais para reforçar a assimilação de uma ideologia crescem significativamente.
Se a obra teatral ou dramática é considerada todavia pelas mentores como uma modalidade da poesia e sim, se compreende qual podia chegar a ser a influência da poesia dramática representa nas bancas, para chegar a conseguir a reforma – hoje diríamos a configuração ou manipulação ideológica – das mentalidades dos espectadores.
O teatro está imerso na vida social e busca uns resultados definidos a respeito da ordem da mesma. Referindo-se a todos os países em que o barroco durante algum tempo triunfa, Baltrusaitis defendeu que o teatro e a vida nessa época estão constantemente entrelaçados, até ao ponto de que este investigador no campo da icnografia pensa que certas soluções dos edifícios procedem directamente das formas teatrais.
Não há dúvida que a vida real se vê testemunhada no teatro. Mas, não de uma forma directa e imediata. A acção moldadora do teatro que pretende operar sobre a realidade nos diz o que há a corrigir na sociedade e valendo-se do carácter plástico da mesma, como de quanto é humano, se propõe difundir os comportamentos que deviam ser próprios de uma sociedade dada, antes de se ver numa situação de crises.
Jan Mukarovsky, acerca da necessidade de atender ao contexto social no contexto do teatro barroco, adverte que os motivos de uma obra podem ser muito diferentes do que hoje se estima; as obras não eram naquele tempo criação livre, ocorrência pura e simples do autor. Estavam feitas de encargos e os grandes escritores trabalhavam para o rei, o governante, talvez para algum nobre rico e elevado: é um teatro de encargo.
É sabido a força configuradora da cultura das imagens e pôr isto em jogo é uma das novidades do sec. XVII. Por esta razão, o teatro, aparte de outros aspectos que nos ofereça, vem a converter-se no grande instrumento para captar as maiores energias sobre os grupos amplos das cidades, as quais em captação sobre os grupos amplos das cidades, decrescem aos do mundo rural. Desta maneira, o teatro barroco, como meio de integração e de captação de uma população numerosa tem condições sumamente favoráveis, tem-nas também devido à sua maneira de penetrar a sua influência no interior dos homens, isto é, por via de contagio extra racional que pode mover as vontades.
É obvio que os privilegiados do sistema, os membros das classes dominantes tradicionalmente instaladas nesse nível e aqueles que, por um ou outro vínculo, se moviam ao seu serviço, os mais interessados em manter a ordem recebida e reforçar sua resistência. Foram estes, muito especialmente os escritores dependentes de grandes senhores e inclusivamente do rei – como Lope e Calderón – quem perspicazmente optaram pela utilização do teatro a fim de levar a cabo uma extensa campanha a favor dos poderes estabelecidos e do regime de interesses afecto a eles.
Salvo restos subsistentes do sec. Barroco que chegará até avançada época do século seguinte, o que se trata agora é de um dirigismo de certo modo de sentido oposto: um dirigismo reformador, que reclama a participação na empresa de educar a gente para um futuro modo de vida social mais recomendável, um dirigismo educativo e impulsionador, que com frequência a fim de se fazer compatível com os desejos de liberdade, se apresenta como provisório, aplicável só nos indivíduos que conheçam seus próprios e verdadeiros interesses.
Creio que com esta comparação acaba de se aclarar o que era muito diferente da sua versão ilustrada, a versão barroca do dirigismo político e social no sec. XVII. Trás uma experiência de expansão e mobilidade no sec. Renascentista, os grupos dominantes temem ver-se desprezados pela crescente maré de inconformistas, aspirantes a ascender em escala social, marginais activos, entre outros.
Lope sabia muito bem que esta tendência geral à conservação da sociedade tradicional não era certa. Daí que quase toda sua obra se dedique a mostrar problemas de estratificação social e paralelamente de hierarquia do poder.
Para Calderón educar o povo significa que o lavrador tinha que aceitar conscientemente a sua inferioridade, querida pela providência. Esse teatro que o povo não entendia era educativo porque os fazia ver que havia outros níveis de cultura. O povo estava obrigado a respeita-los e a não aspirar e eles.
O teatro possui todas as características e em seu modo mais favorável, as da festa barroca. Porque não se pode, saltando sobre as crises expansiva e renovadora do renascimento, voltar a uma restauração, nem sequer conseguir um sólido reforçar da sociedade hierárquica, com um só voltar atrás e empregar a força ou afago. Para fazer entrar de novo às gentes saídas do leito dos rios, o que quando menos contemplam esta abordagem com satisfação e com esperança, para lhes fazer voltar a ocupar suas posições na sociedade, são necessários outros meios.
O teatro barroco é necessário apresentar-se de uma forma que resulte atractiva e capaz de imprimir a sua mensagem, a fim de captar a atenção dos destinatários a todo momento. Vem a constituir-se como uma espécie de reflexo.
É certo que sempre terá que levar um componente de divertimento. A invenção Lopesca do «gracioso» atende a este aspecto e com ele se procura aproveitar a força integradora do riso.
Por outro lado, Calderón defende que mais facilmente se retrata fielmente a formosura. A combinação destes variados elementos, ao passo que se dava relevância à tragicomédia, reinventada em XVII, aumentava os elementos postos em jogo e potenciava a função de distrair. Com ele, a festa barroca, sobretudo na sua modalidade do teatro, acaba por coincidir com os fins da política de repressão.
A festa pública do barroco admitia esta mistura de elementos que lhe permitia aproveitar um quarto factor: a acção surpreendente do imprevisto que pode assustar ou admirar aqueles que a contemplam.
Disto vinha-se a constituir uma prova de tão repetida e apreciada festa dos fogos de artifício com suas fantásticas iluminações que viria a provar o domínio das artes do fogo.
Através das representações ou exibições plásticas de todo tipo se pretendia conseguir algo mais. Segundo se depreende de alguma alusão que se queria infiltrar nas consciências. Para alcançar esta finalidade que familiarizavam com o espectáculo da violência, preparavam os ânimos para a violência repressora do barroco. È assim que se faz o espectáculo das excussões dos réus condenados à morte, as quais se levam a cabo em grandes praças para que possam assistir muitas pessoas.
Em todos estes actos o importante é contemplá-los desde o lado do público. Com relação a isto é de assinalar uma segunda característica da festa barroca: "fiesta por contemplación". Diferencia-se neste aspecto fundamentalmente da festa por participação na qual tudo vai dirigido àqueles que nela intervêm para prazer dos que bailam, etc. é o caso do que no sec. XVIII se chamará diversões. O público se aglomera para ver fogos de artificio, uma corrida de touros, um desfile, entre outros.
O teatro oferece outras possibilidades mas cada vez que se dá uma representação a capacidade não chegua a tanto, mas a repetição destas é mais frequente e a permanência do público no espectáculo maior, produz-se um impacto consideravelmente sobre o nº de gentes e nas comédias de XVII a afluência de assistência às representações é relativamente grande. Barrionuevo conta um acidente bem claro disto: Ao terminar uma representação em El Corral del Príncipe, tal havia sido a concorrência que um homem caiu e morreu pisado pela multidão.
O teatro permite levar até aos olhos de quem o vê as invenções que são tão ao gosto do tempo. A paixão pelas novidades que impulsiona o povo e que não pode manifestar-se em terrenos políticos e sociais, encontra no teatro um campo para satisfação muito maior que nas outras festas. Exalta-se a habilidade de fazer com que os corpos ascendam à parte alta do cenário, que nuvens, montes, cavalos, etc, se movam em cena seguindo a admiração pelos prodígios. Era pois o teatro uma festa para admirar, mas sempre em atitude passiva de respeito ao desenvolvimento da acção.
Se a todas as artes visuais era-lhes comum a capacidade de impressionar o ânimo e mover a vontade, nenhuma tinha a força do teatro. Na cena desenrolava-se uma acção que punha a descoberto a grandeza da pessoa do rei e a legitimidade da sociedade hierárquica no fundo, só que agora se via incomparavelmente potenciado pelo emprego de novos meios. Com a representação de comédias começou-se a considerar que se introduzia uma corrupção abominável, e a causa mais generalista era o espectáculo teatral e a conduta licenciosa das gentes ocupadas no teatro. A condenação aparecia assim ligada à situação específica do barroco.
Sem efeito, as altas autoridades civis não se mostraram dispostas a aceitar a reiterada petição, da proibição das festas teatrais.
Em 1603, o Conselho de estado considera que as festas são muito convenientes e devem difundir-se em outras villas e cidades. Foi a partir de aqui que se produz a torrencial aparição de obras dramáticas.
Finalmente, apesar de que o predomínio urbano se filtrava por todas as partes e só sobre a sua plataforma era possível a campanha de propaganda do teatro, em geral a quase totalidade das comédias, o tema se apresenta na sociedade rural, onde, o objectivo de incorpora-los ao sistema hierárquico vigente se concede e seus mais ricos e influentes membros chegam a desfrutar de um prestigio quase nobiliário. Com ela uma economia agrária, à que se subordinam os interesses de uma primeira industrialização da que não gostam reis e grandes senhores. A maioria das comédias dão-se no mundo rural e se baseiam na economia agrária e com esta frequência contêm festas públicas e um esquema de "beatus ille" como ideal restaurador.